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A DECLARAÇÃO DE BOLONHA: ENQUADRAMENTO E LINHAS DE TENDÊNCIA

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A DECLARAÇÃO DE BOLONHA: ENQUADRAMENTO E LINHAS DE TENDÊNCIA


UMA ACÇÃO EM BUSCA DE SABER

Esta Conferência de Coimbra, pelo simbolismo que a geografia e a história universitária desta polis/Atenas do conhecimento representa em Portugal, deve articular a dialéctica entre conhecimento e acção, construindo-se ambos progressivamente durante e através do processo de mudança suscitado pelos valores (e objectivos) em presença:

1) a competitividade do Sistema Europeu de Ensino Superior;
2) e a mobilidade e empregabilidade no Espaço Europeu.

Sendo que para alcançar tais objectivos gerais se torna necessário atender a objectivos específicos:

• a adopção de um sistema de graus comparável e facilmente inteligíveis;
• a adopção de um sistema baseado essencialmente em dois ciclos, pré- e pós-graduado, incluindo: um primeiro ciclo relevante para o mercado de trabalho e um segundo ciclo requerendo ter completado um primeiro ciclo de, pelo menos, três anos;
• o estabelecimento de um sistema (de acumulação e transferência) de créditos, tal como o ECTS;
• a promoção da mobilidade de estudantes, docentes, investigadores e outro pessoal;
• a cooperação na avaliação da qualidade;
• a dimensão europeia do ensino superior.
• A declaração apela ainda à cooperação intergovernamental e à contribuição das instituições de ensino superior para o processo.

O conteúdo desta Declaração reveste-se de uma grande importância formal pelo número de Ministros que a assinaram e, muito naturalmente, pela sua substância e, por essa razão, não deve ser ignorada pela Universidade.

Para além das problemáticas política e epistemológica (que adiante explicitaremos) que a referida declaração de Bolonha suscita nas respectivas sociedades civis da União Europeia, questionando todo um edifício e um legado cultural, educativo e formativo nos países do Velho Continente, a Europa do Conhecimento parece acompanhar a lei (sociológica) da conjuntura racionalizada pelo fenómeno da globalização política, económica, social e cultural.

Talvez por essa razão, complexa nos seus termos, a Declaração de Bolonha traga à colação a necessidade de discutir o binómio que equaciona que modelo de educação superior se pode generalizar a todos os países sem perda de identidades (e idiossincrasias culturais) próprias: No fundo, também aqui a globalização faz carreira, dentro e fora da academia, dado ser um assunto que a todos, sobremaneira, afecta:

• por um lado incorremos no risco de particularizar excessivamente as diferenças daqueles sistemas educativos provenientes das grandes potências políticas, económicas e culturais da Europa – criando o modelo do directório cultural que só interesse a alguns;
• por outro, caímos na tentação de universalizar e homogeneizar as idiossincrasias inerentes aos sistemas culturais projectados nos sistemas de ensino superior de cada Estado-membro da União Europeia/EU

Em termos culturais, aquilo a que assistimos nesta transição do século XX para o XXI, que coincide singularmente com a mudança do milénio, é, de facto, a um duplo processo que envolve a interpenetração da universalização dos particularismos e à particularização do universalismo . Com efeito, esta dinâmica de globalização, em termos sociais, económicos, políticos e culturais, gera e desenvolve as condições de diversificação e da fragmentação – também, e sobretudo, nos modelos e práticas de ensino (superior) a adoptar por parte dos respectivos países.

Na prática, a filosofia, os valores e os objectivos constantes da Declaração de Bolonha reflectem a realidade estratégica dos nossos dias, ou seja, da Idade Global em que vivemos demonstrando que tudo que é local, nacional e regional recebe o impacto da transnacionalização. Isto significa, por outro lado, que os localismos, os nacionalismos e os regionalismos, máxime no plano cultural (via sistema de ensino superior), tanto se modificam como se reafirmam, naturalmente em outros termos, com outros elementos, e compreendendo outros significados.

Daí a recriação de tradições e reinvenções culturais e das identidades nacionais que permitem (re)buscar alternativas aos sistemas educativos em vigor neste nosso espaço comum. Aterrando na realidade, isto diz-nos o seguinte: a limitação a três graus de ensino superior atribuíveis pelas instituições de Ensino Superior em Portugal, segundo a Lei Quadro do Ensino Superior. Tal implicaria para nós os portugueses erradicar um dos graus vigentes naquela Lei Quadro:

• Duração de 3 anos dos cursos para o 1º grau (Bacharelato) – permitindo cursos de maior duração;
• A obtenção do 2º grau (a licenciatura) não exigia mais do que dois anos sobre o 1º grau; e nenhuma limitação se estabelecia sobre o 3 º grau académico.




Esta imposição de 3 anos – é uma filosofia que vai ao arrepio da declaração de Sorbonne – recentemente substituída – por força do conceito de harmonização em curso – pela Declaração de Bolonha que prevê um novo conceito de convergência curricular.

De salientar, complementarmente, a força política desta Declaração: ela foi assinada em 19 de Junho de 1999 pelos Ministros da Educação de 29 países europeus. Posteriormente, foi publicado o relatório do estudo preparado para a Conferência de Bolonha a cargo das maiores autoridades na matéria: Guy Haug, Jette Kiertein e Inge Knudsen, Trends in Learning Strucures in Higher Education, Conselho de Reitores da Dinamarca, Agosto de 1999.

Neste contexto de competitividade entre blocos políticos, económicos e culturais diferenciados, potenciado pela “luta” da hegemonia cultural e económica entre os EUA e a Europa, que em 2010 as actuais elites políticas dirigentes (europeias) querem colocar no primeiro patamar mundial, a magna quaestio que se coloca consiste em saber como se processará a adaptação do “legado/acervo de Bolonha” ao sistema (educativo) português.

Ou seja, a teoria da preocupação, legítima, aliás, consubstancia-se em determinar qual dos graus académicos deveria ser eliminado: o Bacharelato, a Licenciatura (que dá a licença para estudar) ou o Mestrado – cuja frequência, em resultado das disfunções do mercado de trabalho da última década, se tem ultimamente intensificado?

Se alargarmos a formulação daquela teoria da preocupação aos demais países europeias, verificamos o desconforto do exercício acompanhado do anacronismo, no plano do mercado global de emprego, que os vários países europeus trazem para o sistema. Por exemplo, e corroborando, se olharmos para o sistema educativo inglês, geograficamente insular, mas tradicionalmente competitivo, verificamos se tem a possibilidade de inserir no mercado de trabalho europeu jovens com apenas o 1º grau, ou seja, com o Bacharelato.
Diante o exposto – e perante aquilo que se passa nos outros países da União Europeia, como Portugal, em que muitos dos jovens têm o 2º grau, i.é., a Licenciatura, cabe perguntar Que fazer?: persiste-se na manutenção dos 5 anos de licenciatura?! que consequências teriam para o sistema das Universidades portuguesas? e qual o valor relativo a atribuir ao mestrado, ao doutoramento e às diferentes gradações académicas que distinguem os sistemas de ensino superior dos países europeus entre si?

Eis algumas das questões que confrontam a teoria das preocupações e os planos de contingência (educativos) e zonas de incerteza que, desde já, numa Europa de geometria variável, devem começar a ser esboçados tendo em vista a racionalização da harmonização curricular subjacente à letra e ao espírito da Declaração de Bolonha.

Especialmente num contexto em que esse alargamento político da União Europeia se intensifica com a necessidade e a pressão dos movimentos migratórios – potenciados pelos fenómenos sobrepostos de globalização económica – que aceleram a dimensão cultural, económica e até “securitária” desta problemática. Neste âmbito, e para além do meio político, também o meio académico cada vez mais se sensibiliza e mobiliza para a crescente consciencialização política – em termos de opinião pública – em ordem a estabelecer uma completa e satisfatória solução sendo que, ao mesmo tempo, e face à competitividade norte-americana, a cultura, os intelectuais, a sociedade, a ciência, a tecnologia e a (majestade) da opinião pública das respectivas sociedades civis europeias, não devem sair enfraquecidas deste processo (duplo) de harmonização: porque endógeno aos países da Europa; e confrontado com a crescente competitividade global proveniente da Ilha-Continente – que são os EUA (como um dia lhe chamou Raymond Aron).

Portanto, a construção duma Europa forte economicamente e vigorosa no plano intelectual e científico, passa por (re)equacionar os fundamentos e as práticas da Educação Superior no espaço Europeu: coisa que os Ministro do sector já começaram a fazer, sobretudo com a criação normativa associada à disponibilização das infra-estruturas indispensáveis à constituição e desenvolvimento da sociedade da informação de que depende, a médio e longo prazo, uma Europa da cidadania, capaz de dotar os seus cidadãos de competências tais que lhes permitam responder aos desafios globais que lhes são colocados quer pelos outros blocos políticos, quer pela própria dinâmica e incerteza da vida gerada pela dimensão tecnológica do novo milénio.

Se o que está em jogo na DB são a competitividade do Sistema Europeu de Ensino Superior, a mobilidade e empregabilidade no Espaço Europeu, a adopção de um sistema de graus comparável e facilmente inteligível que viabilize a promoção da mobilidade de estudantes, docentes e investigadores – então terão de ser Universidades, Governos, sociedade civil e outros actores conexos com a envolvente, a criar mecanismos de consulta regulares (e de avaliação da qualidade do ensino no plano europeu) de molde a apresentar propostas dentro de cada país tendo em vista responder ao duplo desafio: político e epistemológico :

1) em primeiro lugar, importa dar resposta ao desafio - eminentemente político - que se coloca através do sistema de ensino superior europeu ratificado, aliás, através da declaração dos governos signatários da Declaração de Bolonha, que apela à cooperação intergovernamental e à contribuição das instituições de ensino superior para o processo. Daí poderá resultar não apenas uma Europa mais competitiva, mas também um espaço político, económico e social que garanta níveis estáveis de desenvolvimento, de paz prolongada (finda a Guerra Fria permitindo aos Estados outros orçamentos & “paixões” para a Educação) em contexto de sociedades democráticas. Sendo que a Declaração de Sorbonne de 25 de Maio de 1998, incumbiu às universidades o relevante papel de desenvolver uma dimensão cultural europeia através da enfatização e criação de um espaço (comum europeu de ensino superior – que pode assentar no tal sistema de CRÉDITOS... desenvolver a ideia e o argumento...) como forma de promoção da cidadania, da mobilidade e empregabilidade dentro do Continente europeu. Estas fundações ou estacas políticas e culturais da Europa assumem tanto maior importância quanto se reconhece o papel determinante atribuído à Academia para promover esse Espaço de Ensino Superior Comum. Convergente, aliás, com os princípios da Universitatum Magna Carta de Bolonha de 1988. Sobretudo, atendendo aos níveis de independência e autonomia que o ensino superior desenvolve com os sistemas económico e social caracterizados pela própria dinâmica da ciência e da tecnologia que tem depois inestimáveis aplicações sociais e revoluciona a próprio conhecimento científico. É, pois, por estas razões que o sistema de ensino superior europeu deve ser eficiente e culturalmente amplo por forma a fazer desse grande espaço uma constelação política de nível mundial e com um poder de sedução atraente para quem, nos domínios da Educação, da Ciência e do Conhecimento, a procura. Naturalmente, terá de existir o reconhecimento internacional das qualificações ou períodos de estudo realizado em instituições de ensino superior europeias, o qual requer a aceitação mútuo dentro do Espaço Europeu, designadamente ao conjunto dos países signatários da Declaração de Bolonha e, por maioria de razão, dentro de cada país. Uma das ideias que parece querer fazer evoluir o processo assenta, contudo, na possibilidade de reconhecimento sistemático de qualificações e períodos de estudo que serão usados á semelhança do sistema de acumulação e transferência de créditos. Isto porque seria seguramente impossível pôr em marcha a solução mais radical, porque homogeneizadora (e culturalmente castradora), resultante da utilização do mesmo sistema de graus e diplomas em todo o Espaço Europeu. Estando fora de questão esta proposta, porque política e tecnicamente inexequível, apontar-se-ia para uma 3ª via decorrente da identificação de níveis de referência comuns europeus, talvez por áreas de conhecimento. Seja como for, e independentemente da solução a adoptar no Sistema de Ensino Superior Português, e sua compatibilidade com o Sistema de Ensino Superior Europeu, o mesmo exige a satisfação dos referidos objectivos estratégicos constantes da Declaração de Bolonha/DB: competitividade, mobilidade e empregabilidade. E para atingir tais desideratos, verdadeiros objectivos de interesse nacional, o Estado, em parceria com as Instituições de Ensino Superior Público, Privado e Cooperativo, denotando a prática da governabilidade, deve promover e assegurar a introdução de reformas nacionais no sector da educação sem que as mesmas, contudo, ponham em causa a dinamização de outras reformas (convergentes) geradas no seio das Instituições de Ensino Superior. Contribuindo, desse modo, para a alteração do quadro de mentalidades associado aos desafios da conjuntura mobilizados pelos fenómenos da globalização.
Quando se identificar essa desejada plataforma comum, essa unidade na pluralidade, essa dialéctica feita de divergência  convergência   emergência (revelando que tudo que sobe converge – como salientou o Padre Jesuíta Pierre Teillard de Chardin) – talvez se possa, no Espaço Europeu falar a mesma língua (e a mesma linguagem) em matéria de Graus, Diplomas, Módulos e Créditos. Sem atender a esta problemática, politicamente proeminente, não se responde aos nossos parceiros europeus que connosco, de forma crescente, competem (por força da chamada globalização/emigração económica) nem, por outro lado, se responde ao grande exportador de formação qualificada que são os EUA. Em síntese: a Europa, e Portugal em concreto, tem de tentar produzir uma mudança num contexto social que é, inevitavelmente, lento.
Se nada for feito domesticamente, no plano normativo e no das práticas e competências científicas e pedagógicas, deixa-se em aberto as formas de poder que o sistema superior de ensino europeu irá assumir, se bem que conduzido por outros países e, inevitavelmente, guindado por outros interesses e cosmovisões. Portanto, e a Conferência de Coimbra servirá para reforçar esta ideia, de que as relações de poder no âmbito do processo de edificação (normativo) do Sistema de Ensino Superior Europeu emergente - repercutir-se-á, ipso factum, na própria responsabilidade de produção de conhecimentos dos diferentes sectores e áreas do conhecimento envolvidos nesta desejada (e necessária) reforma estrutural de que os níveis de competitividade das sociedades civis europeias carecem. Isto quer dizer o seguinte: cada processo, cada reforma tem de determinar quem decide o quê, quem são os agentes da investigação e da mudança e qual o sentido dessa mudança (imperialismo cultural vs criação de um sistema europeu de créditos - internacional reconhecido...).
De um lado, estariam os processos presididos por uma intenção conservadora, também designada de “imperialista”, culturalmente homogeneizadora, de directório – imposta de cima para baixo que só servia alguns países; por outro, uma orientação mais flexível, adaptativa, reformista, transformista orientada para a evolução política, económica e tecnológica observada pelas estruturas sociais da Europa que têm também uma intenção emancipatória, ou libertadora, especialmente diante a fortaleza económica-cultural norte-americana que tudo procura hegemonizar.
Numa palavra, para que esta reforma se faça seria desejável que o Estado assumisse este objectivo como um desígnio nacional formalizando a nobreza dessa intenção através de um Contrato – visto como um dispositivo de relação e de negociação das formas de colaboração entre os diferentes intervenientes: Universidades, investigadores, Estado, financiadores, entre outros agentes do poder (e do saber).
Portanto, a problemática política relativa à definição do Sistema de Ensino Superior Europeu (em gestação) não é estranha à problemática epistemológica que regula o tipo de saber que permite orientar as práticas (políticas) e introduzir, por outro lado, qualidade científica no sistema. A circunstância de a Europa no passado não se confrontar politicamente, e de forma tão premente como hoje sucede com a análise do processo de reconhecimento académico e profissional no ensino superior, em especial por causa da globalização económica e social, aumenta a necessidade deste processo político se credibilizar. Como?! Através - da construção de saber(es), informando teoricamente as suas propostas políticas, embora com humildade porque partindo duma base que permite ao investigador-decisor ir progressivamente definindo os problemas pressentidos (foreshadowed problems).
Ora também aqui neste domínio da intervenção social e política supõe uma previsão, uma possível solução do problema que o relacione com as estratégias globais decorrentes dos vários (e contraditórios) sistemas de ensino superior que convergem na definição do sistema europeu em gestação. Tudo para significar que, de facto, a esfera de intervenção (e tomada de decisão) política (decision-making process) só se credibiliza junto da comunidade do saber, a qual não é um dado adquirido, mas construído a partir da definição do sistema ou sistemas que se considera necessário envolver no processo para que possa haver mudança. E para que esta exista é necessário uma intervenção concertada em diferentes sistemas (de ensino superior europeu) interligados.

2) Exposta a problemática na sua perspectiva política – cabe agora fazer uma incursão breve ao domínio epistemológico. E porquê esta deriva mitigada com a perspectiva política? Actuarão numa óptica de cross-fertilization na elaboração das melhores hipóteses de trabalho segundo a Declaração de Bolonha?! Esta referência deve-se, primeiramente, à contradição entre produção de conhecimento e de mudança e às relações entre teoria (epistéme) e prática (práxis-política). Ou seja, aqui a questão epistemológica releva para saber se, de facto, a produção de conhecimentos (construção de hipóteses de trabalho que sirvam para harmonizar as propostas do ensino superior europeu em formação) são simultaneamente úteis para a resolução de problemas concretos para o futuro das Ciências mas também, e sobretudo, para a vida e desenvolvimento global dos povos da Europa.
Portanto, a questão que se formula assente na raiz epistemológica faz sentido: ou seja, importa inquirir aos agentes/intervenientes em todo este processo de harmonização dos sistemas superior de ensino que está ao serviço da mudança, se a sua missão consiste, efectivamente, no esclarecimento das decisões políticas sobre o assunto. Aqui chegamos, de novo, ao título do nosso paper – Uma acção em busca de saber . Então, o que os vários sistemas de ensino superior se propõem realizar a fim de convergir num mínimo comum, no tal standard desejado, deriva do princípio de que para conhecer uma realidade é necessário tentar mudá-la.
Mas a questão que se coloca ao Sistema de Ensino Superior Europeu, e às Universidades Portuguesas em concreto, é saber como é possível conhecer uma realidade que está a mudar? Aliás, e este paper também deve comportar uma mensagem científica porque emana da academia, a possibilidade de se conhecer uma realidade em mudança é o mais antigo dos problemas epistemológicos para que já os filósofos gregos procuravam várias soluções. Daqui decorre que para implementar uma qualquer solução – ou a mais consensual, ou seja, que concite a Comunidade científica europeia e a decisão política que tutela o sector da Educação, ela deve atender à própria velocidade da mudança, ou seja, às questões do tempo da reforma preconizada: duração necessária para que se produza a mudança no sistema de ensino e o acompanhamento (e avaliação) ao longo do processo.

Portanto, ao considerar o reconhecimento académico e profissional no espaço europeu dos nossos dias, importa saber se a proposta que vinga deve contemplar um quadro teórico ou resultar de um tipo de abordagem multireferencial – a que se refere Ardoino a propósito da educação .

O termo da década de 90 e a entrada no novo século dá-nos, de facto, uma óptica do global (do Pan), não descurando os outros aspectos da medição (metron) e da excelência quando se aferem sistemas de ensinos distintos tendo a vista a formulação de um sistema de represente todos. Ora como é sabido, nem sempre estes aspectos da qualidade do Ensino são preferidos, questão que nos remete para uma profunda necessidade de repensar o ensino superior numa era de globalização, caracterizada por crescentes interdependências a todos os níveis.

O mesmo é dizer, embora de forma mais sofisticada, se é possível produzir conhecimentos a partir da produção de mudança em situações singulares (como é o caso configurado pela globalização)? Parece neste caso que o decisor tem, por necessidades adaptativas, de ser também o investigador de molde a articular metodologias, integrar “leis” (em sentido sociológico) da mudança. Ou ainda, como encarar o rigor de uma proposta tendente à harmonização do Sistema do Ensino Superior Europeu – a partir de um responsável de uma determinada universidade – o mesmo é dizer, como encarar o rigor da produção de conhecimentos que são inevitavelmente marcados pela subjectividade?

Convém, na recta final desta reflexão sobre Educação em contexto de competitividade acrescida, balizar melhor os contornos do paradigma da globalização no qual os agentes do saber (instituições de ensino e agentes de conhecimento) se cruzam com os agentes do poder (Estado). Já aqui referimos que a dinâmica da globalização, em termos sociais, económicos, políticos e culturais, desenvolve condições de convergência e de fragmentação social; as fronteiras reais e imaginárias tanto se dissolvem como se recriam e reconstituem, criando novas tendências e alinhamentos políticos, económicos e culturais no sistema. Isto significa que os espaços e os tempos, bem como o modo de produzir e apreender conhecimento, se alteraram. Modificando-se estas variáveis do saber, logo do poder, alteram-se os sentidos das geografias, da história, da ciência, da memória, dos afectos, do passado, do presente, e o futuro passa a ser atravessado por novas interrogações, mitigadas por nostalgias e utopias.

Portanto, toda esta envolvente nova trazida com a globalização, essa face de Janus, porque apresenta duas faces, o bem e o mal, a vantagem e a desvantagem, o rico e pobre, o sábio e o marginal que é cada vez mais o info-excluído (na terminologia de Alvin Toffler, in - Poweshift) serve para nos dizer que floresce na análise de qualquer tema social, económico, político ou cultural a indispensabilidade de contemplar na avaliação a perspectiva múltipla, i.é, a polifonia do transculturalismo: cenário naturalmente dominado pelas grandes empresas multinacionais, organizações multilaterais entre outras estruturas de dominação integradas pelas forças globais e globalizantes da globalização.

O que se verifica, para desenvolver a envolvente e depois retornar ao sistema europeu de Educação objecto de avaliação, é que se constituem entidades, forças e interesses que polarizam as relações, os processos e as estruturas de dominação política e cultural que tecem e articulam a teia da globalização. E quando tais estruturas de poder se expandem, no domínio da finança, indústria, comércio, serviços, cultura, alteram-se substancialmente, ou reduzem-se mesmo as condições existentes até à chegada da mudança. A soberania nacional, tal como a conhecíamos e era ensinada nos bancos das universidades, por exemplo, relativizou-se pondo em causa outros valores conexos dos Estados nacionais.

Nos domínios do Conhecimento e da Educação que aqui nos ocupa, questões específicas se levantam sobre as condições particulares do seu desenvolvimento por parte dos agentes do saber. Por exemplo, uma das propriedades-chave da actual conjuntura a que alguns sociólogos de renome designam Idade Global, é marcada pela escalada das Tecnologias da Informação e da Comunicação/TIC, ou seja o aumento exponencial associado à mobilidade do capital-financeiro e do capital-conhecimento. Derivas hiper-móveis afectam seriamente a capacidade de regulação (normativa) e política de sectores-chave das economias nacionais. Essas indústrias emergentes – informática e tecnologia avançada, finanças, empresas e toda uma economia espacial transnacional, passa a circular instantaneamente pelo mundo sem pedir licença aos Estados.

Dessa forma se revolucionam os padrões de produzir e apreender conhecimento, já que as metáforas principais e dominantes da globalização económica e cultural enfatizam aqueles aspectos da nova economia dotados de características específicas: comunicações globais, hiper-mobilidade, neutralização de lugar e de tempo conduzindo o homem, grosso modo, a aceitar a ideia de que está em formação uma economia global natural, e que a mesma é uma função daqueles actores globais (empresas multinacionais e outras estruturas globais de poder) que operam, coordenam e controlam grandes quantidades de recursos ao mesmo tempo .

A globalização emerge, portanto, como um paradigma novo que tudo revoluciona, inaugurando um novo ciclo da história, quando esta se movimenta como história universal. E no séc. XX findo, a história universal se revela real, um tremendo e impressionante cenário, ainda que labiríntico. Na prática, a globalização tanto desafia as nações e as nacionalidades como as diversas componentes teóricas das ciências sociais com base nas quais o saber, o conhecimento e toda a práxis associada ao meio académico que assegura a produção de conhecimento na polis global. Todas estas ciências sociais (e outras) se defrontam com os desafios da globalização, pela sua originalidade como objecto de reflexão, quer como pela urgência dos problemas e desafios que coloca à sua interpretação (e transformação).

O que se procura enfatizar é que em todo o mundo, embora com diferentes gradações, todos os sistemas e subs-sistemas de produção de conhecimento, estão, nos planos político, económico, social e cultural, sob a influência (e pressão) das relações, dos processos e estruturas que caracterizam a globalização. São tantas, múltiplas e contraditórias tais desafios gerados no sistema global que as ciências sociais e humanas buscam e rebuscam conceitos, categorias, paradigmas e interpretações para explicar o sentido do mundo.

E o indivíduo também acompanha essa dinâmica infernal alterada com a mudança do significado da vida social, ou seja, do grupo social, do partido político, dos valores e dos padrões socio-culturais, das instituições, dos quadros jurídico-legais, dos movimentos sociais e da corrente da opinião pública num dado momento. Tudo arrastado pela corrente turva do capitalismo sem regra, o mesmo que propicia a generalização dos meios de comunicação de massa, da imagem, da informação, da interpretação, da decisão e implementação de acções que funcionam ao abrigo de interesses alheios aos verdadeiros projectos nacionais. Por isso é que o indivíduo embora localizado num determinado espaço, onde nasce, vive, estuda e trabalha, encontra-se agora, por forças das tais forças globais e globalizantes, um ente simultaneamente local, nacional, regional e global.

E aos poucos, ou abruptamente, as coisas, as pessoas, as ideias, os Sistema de Ensino e de Cultura (porque os valores estão a mudar) desenraízam-se parcial ou totalmente, multiplicando as suas identidades e alteridades, mas também trazendo para o sistema um caudal acrescido de problemas, desigualdades, complicando depois a coesão social nas sociedades. Aqui se defronta, já com a desarticulação dos sistemas de ensino e da cultural, o nacionalismo e o cosmopolitismo. E porquê? Porque este novo espaço onde circulamos, esta geografia emergente passou a ser atravessada por múltiplas relações, processos e estruturas que configuram a globalização, além do nacionalismo e do regionalismo.

Portanto, máxime no âmbito nos Sistemas de Ensino Superior das regiões mais desenvolvidas e competitivas do mundo, como é o caso da Europa, no domínio da globalização, tudo que é local (como um dado sistema de ensino) que é local, pode ser simultaneamente nacional, regional e mundial. Da mesma maneira que se produz a mercadoria global e circula uma espécie de dinheiro global, também se desenvolve uma língua global, um sistema global de produção de conhecimento que ameaça os nacionalismos culturais nacionais típicos da era pré-globalização. Isto significa que o sistema de ensino superior europeu em revisão, constitui ao mesmo tempo uma realidade micro e macro, mas são realidades que suscitam simultaneamente interpretações particularizantes e globalizantes.

Daí a necessidade que a Declaração de Bolonha tem em, no plano metodológico, suscitar o método comparativo em ordem a comparar a eficiência e eficácia dos sistemas de ensino, comparando relações e processos, estruturas e implicações nas ordens económica, política e social. Tudo essa constelação envolvendo uma geografia e uma história, um passado e presente, uma demografia e etnia, uma religião e língua. São, de facto, inúmeras as possibilidades e os desafios da comparação, razão por tem sido o método por excelência da pesquisa na área das ciências sociais, sempre que esteve (ou está) em causa a sociedade nacional ou o Estado-nação. Por isso dissemos, e agora corroboramos, que o Estado, mediante Contrato com as Instituições de Ensino Superior Público, Privado e Cooperativo, deve atender ao desafio da definição de um Novo Sistema Superior de Ensino como se tratasse de um verdadeiro desígnio nacional, ou seja, um interesse nacional indispensável à reflexão das consfigurações de ensino superior que a Europa nos queira impor (ou exportar) no quadro dos referidos movimentos globais e globalizantes que escapam cada vez mais ao controle político e normativo do velho Leviatã (Hobbes).

Hoje o Capital-conhecimento parece revelar-se uma conexão ou manifestação de relações, processos e estruturas de envergadura mais ampla, de escala mundial. Daí também a necessidade de uma epistemologia emergente que possa informar o poder político dos novos desafios que este tem de enfrentar. Não por acaso, aliás, que esta comunicação foi estruturada em torno de dois eixos: o político e o epistemológico – tudo para tentar dar uma resposta à formação do novo sistema de ensino superior europeu.

É, com efeito, na base desta envolvente, neste teatro de operações verdadeiramente global, questionando os sistemas e sub-sistemas existentes, que surge a Declaração de Bolonha, essa pista de reflexão no âmbito do ensino superior europeu. Ela emerge em pleno desenvolvimento daquilo que alguns designam por terceira fase do capitalismo, que coincide com a revolução da informática que experimentou ao longo da década de 90 (finda) um forte impulso e uma nova modernização, quer na forma de comunicação dos conhecimentos quer na génese da sua produção. Desta perspectiva, a revolução informática, proporcionada pelas características da micro-electrónica, apresenta-se como uma plena racionalização tecnico-científica capaz de controlar os processos vitais sem os condicionamentos (típicos de meio século de guerra fria) derivados das ideologias. Mas mesmo com este triunfo do Ocidente mitigado com o predomínio do racionalismo capitalista, as sociedades apresentam contradições e resistências que tornam plausível a busca de uma outra via, designadamente no plano da produção e divulgação de conhecimento, a exigir um perfil mais consentâneo com as necessidades sociais das respectivas sociedades civis europeias.

Não foi por caso que o referido Alan Smith (Administrador Principal da Direcção-Geral da Educação e Cultura da Comissão Europeia), procurou alertar para a necessidade de conciliar os "velhos desafios" do ensino superior (como a necessidade de dar resposta aos outros actores da sociedade, defender a sua existência, identidade e funcionamento, gerir qualidade e massificação, assegurar financiamento, motivar os académicos em estruturas administrativas com crescentes poderes) com os "desafios do séc.XXI".

E são eles que nos obrigam a repensar. Segundo o mesmo autor, um dos maiores desafios mais prementes da contemporaneidade é precisamente a crescente dúvida que se gerou em torno da verdadeira vocação do ensino superior, frequentemente ligado a abordagens demasiado "economicistas", que têm sido adoptadas em muitos países, um pouco por todo o mundo. Por outro lado, a celeridade e permanência das transformações, como defendeu, aponta para a necessidade de fomentar a aprendizagem ao longo da vida.

Não sendo este um conceito novo, visto datar dos anos 60, a sua implementação torna-se agora mais premente dado o novo contexto de globalização. A sua generalização dependerá da consistência e forte ligação entre os diversos domínios educativos e entre a educação e os outros sectores da sociedade.

Resumindo: este desafio coloca ao ensino superior três questões fundamentais: "para quem ?", "o quê?" e "como ?". A primeira, segundo Alan Smith, implicará a diversificação do acesso, o desenho de cursos atractivos para os estudantes, a acreditação de aprendizagens informais, o fomento de competências orientadas para o mercado de trabalho, entre outros. Em segundo lugar, e no que diz respeito aos conteúdos, será necessário diversificar a oferta de cursos, apostar crescentemente em abordagens modulares e formação contínua, adaptadas à constante alteração das condições, e, nesta óptica, proporcionar a acumulação de créditos. Por último, a implementação desta filosofia deverá passar por novas abordagens didácticas, novos instrumentos, a aprendizagem através da resolução de problemas e da criatividade. Tudo isto implicará mudanças sérias nas estruturas das instituições de ensino superior, que trarão outros desafios aos seus gestores no que diz respeito a novas formas de pensar e maneiras alternativas de ver a organização, o financiamento e as autonomias.

É neste contexto que a sistematização de Alan Smith é convergente com as posições defendidas de uma outra autoridade na matéria também referido, Guy Haug, em representação da Associação de Universidades Europeias. Segundo Alan Smith, é de extrema importância que a cooperação fomentada pelas instituições de ensino superior tenha uma natureza extremamente "prática" e que esteja sobretudo ao serviço do desenvolvimento.

Foi também neste contexto de globalização que Guy Haug abordou a problemática que envolve a Declaração de Bolonha, recentemente firmada por 29 países europeus que pretendem reformar as estruturas dos seus sistemas educativos de uma forma convergente. Trata-se de um acordo livre, destinado a proporcionar uma resposta conjunta a problemas comuns na Europa, com respeito pelas autonomias das instituições e diversidade dos sistemas de ensino.

Todavia, não se trata apenas uma declaração política, este documento inclui um programa de acção a completar até 2010, que tem como objectivo criar um quadro comum de graus comparáveis (e confiança inter-institucional a este nível), a generalização dos níveis inicial e pós-graduado neste espaço europeu, o fomento e aplicação crescente do Sistema Europeu de Transferência de Créditos (ECTS), a criação de uma dimensão europeia no processo de controlo de qualidade e, finalmente, a eliminação de obstáculos de natureza burocrática à mobilidade.

A Declaração de Bolonha traduz, de facto, uma longa reflexão perante os novos condicionalismos gerados pela globalização. Mais uma vez, surge aqui a ideia de que estamos em fase de reestruturação e que é preciso repensar o ensino superior à luz das novas circunstâncias.

O autor referido é, aliás, da opinião que existem quatro razões intra-europeias fundamentais para o surgimento desta Declaração:

1) as lições tiradas ao longo de 15 anos de mobilidade de grande escala;
2) a tensão entre os sistemas de ensino superior;
3) e a internacionalização das actividades e carreiras;
4) e, finalmente, a emergência de um mercado de trabalho europeu efectivo.

No que concerne ao primeiro aspecto, tornou-se necessário repensar as estruturas existentes, sob pena de comprometer a generalização dos fluxos, com uma especial preocupação de trabalhar sobre as experiências adquiridas, incluindo a dinamização de redes já montadas e a generalização e aperfeiçoamento de instrumentos também já utilizados. A segunda dimensão prende-se com o acesso, que já não está limitado ao nível nacional, com a questão dos graus, que são atribuídos e reconhecidos nacionalmente mas que podem ser usados num mercado de trabalho aberto, e, finalmente, com a certificação da qualidade e a acreditação abre-se o caminho para a resolução de muitos dos problemas de acesso ao mercado europeu de emprego em contexto de globalização.

Do ponto de vista de Alan Smith, os politécnicos (e instituições equivalentes) estão particularmente bem posicionadas para lidar com estes novos condicionalismos já que oferecem, de uma forma geral, cursos menos longos (ainda que em muitos casos exista a oportunidade de prosseguir para o grau seguinte), e a sua filosofia de formação aponta no sentido de estabelecer uma forte ligação com o mundo empresarial que as licenciaturas tradicionais não têm.

Guy Haug, autor do já citado - Trends in Learning Strucures in Higher Education,(Conselho de Reitores da Dinamarca, Agosto de 1999) desenvolve o seu pensamento de forma convergente, ou seja, defende as potencialidades dos Politécnicos na era "Pós- Bolonha", tendo afirmado que não é provável que as novas tendências definidas naquele documento venham a promover a convergência das estruturas do sistema de ensino superior.

Em vez disso, diz aquele autor, assistiremos a uma competição crescente entre instituições, aos níveis nacional e internacional (independentemente do seu "tipo") e, neste processo, o peso dos politécnicos poderá fazer sentir-se de uma forma mais significativa, uma vez que os aspectos relacionados com o emprego têm tendência a tornar-se cada vez mais relevantes.

De forma a garantir o seu desenvolvimento, estas instituições devem, segundo Guy Haug, procurar assegurar dois aspectos fundamentais: organização e reconhecimento. A primeira passará por processos de aglutinação, de forma a proporcionar o aparecimento de instituições de maior dimensão e com uma estrutura mais forte.

Acresce, para além disso, que é urgente proceder à eliminação dos obstáculos estruturais à mobilidade, entre os quais se encontram as dificuldades associadas à transferência de créditos. A mobilidade é, aliás, uma questão central e aplica-se a todos os níveis: entre instituições deste sub-sector e entre estas e as universidades (com reciprocidade).

Assegurar o reconhecimento profissional é também essencial, dados os condicionalismos relativos ao emprego e empregabilidade. Por fim, estas instituições devem preparar-se para a meta-acreditação, isto é, já que não parece ser viável a existência de uma única agência de acreditação ao nível europeu, então o mais provável será o aparecimento de organismos de acreditação de agências de acreditação . Resumindo, a postura a adoptar por parte dos sistemas de ensino superior neste complexo contexto de globalização, deverá apontar no sentido de reafirmar as identidades próprias entidade no sub-sector e fazer uso, ao mesmo tempo, das particularidades de cada Instituição diante as forças globais e globalizantes que caracterizam a globalização do nosso tempo.

Em síntese: a Declaração de Bolonha é um avisado documento de reflexão e até de orientação política essencial. No entanto, o que está aqui em jogo transcende as medidas políticas a curto e médio prazo que urge tomar no sector da Educação Superior no Espaço Europeu.
Nunca como hoje o cruzamento do Saber se colocou ao exercício do Poder em Portugal. Referimo-nos, naturalmente às decisões estratégicas baseadas em premissas racionais de perspectivação estratégica no curso real das opções políticas e das decisões do Poder em Portugal.
Neste caso a Educação Superior, representada pelo saber, é vista como a principal (“paixão”) fonte de legitimação do poder, ao mesmo tempo que este também representa um certo tipo de saber. Na prática, o governante não se justifica por uma qualquer autoridade religiosa, mágica ou dinástica; ele invoca, tal como a Academia, a capacidade de organizar o saber e de resolver os problemas e gerir os assuntos da polis.
Também ao nível das Universidades estas têm, cada vez mais, de operar em rede, integradamente. Se ocorre um problema na comunidade ela deve ser chamada a dar a sua contribuição. Donde a necessidade de estruturar o saber e a forma de organização articulando as redes de interesses infra-nacionais (ou sub-nacionais) – integrando-as, por seu turno, em redes transnacionais; estas por sua vez, relacionam-se com as redes governamentais e com a redes intergovernamentais. E todas elas convergem, por consequência, para as redes supranacionais cuja agregação de valores, normas e interesses (no domínio político, ecológico, militar e social) procuram racionalizar.

É, portanto, esta profusão da filosofia da rede, que implica um novo processo de aprendizagem humana, que ganha relevo e informa o próprio Paradigma do Conhecimento para o próximo milénio. É o modelo de rede que constitui o “sistema nervoso”, a estrutura social e o sistema de símbolos de que dependem os valores culturais e, em última instância, o valor da própria civilização .

Nesse sentido, o fio condutor da nossa comunicação – Uma Acção em Busca de Poder – pode ser desmontado através da seguinte cadeia de factores: Informação Conhecimento  Organização  Produtividade (Poder). Daqui emerge o novo factor hegemónico regulador e racionalizador das sociedades pós-modernas ao qual a Academia terá de responder .

Esta comunicação procura reflectir sobre os verdadeiros problemas e desafios colocados ao Ensino Superior Europeu. O ponto de partida foi, de facto, um documento estruturante consubstanciado na Declaração de Bolonha/DB. Mas esta problemática, pelo menos a longo prazo, está relacionada com os próprios fundamentos da produção de saber e a forma como o transmitir. No fundo, do que falamos é da própria civilização de valores.

Com efeito, a globalização vem exigir que Academia e o Poder (leia-se o Estado) dialoguem e desenvolvam outro tipo de parcerias entre si. Ou seja, o poder é saber, embora não seja saber científico; o saber, por seu turno, é poder, embora não seja poder político.

Termino com uma reflexão sábia de H. McNeill que reflecte, presumo, bem o espírito do nosso tempo:

num tempo em que os ventos da mudança sopram forte, devemos ficar satisfeitos sabendo que a previsão é sempre imperfeita e as escolhas que se deparam devem levar em linha de conta a ignorância desse risco. Esse é o preço que temos de pagar para melhorar o mundo, mediante a mudança do nosso próprio comportamento, individual e colectivo, como resposta às esperanças desejadas e aos objectivos partilhados, descritos em palavras. A nossa capacidade para errar constitui a nossa capacidade para aprender e, por isso, realizar de forma parcial e imperfeita, mas real, melhorias nas condições da vida humana .


Autor do paper: Rui P. Matos
2001/2002