segunda-feira

Minhas impressões de Agostinho da Silva

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Agostinho da Silva: o Homem, o Amigo e o Mestre. Memórias e alguns subsídios.

Em conversa fraterna foi-me pedido por alguns amigos que elaborasse um texto sobre Agostinho da Silva, e que o mesmo se destinava a uma Revista luso-brasileira de ciências, letras e artes, a arrancar, brevemente, em S. Paulo, Brasil. A tarefa não é fácil, visto que o Prof. A. da Silva foi, e é na nossa memória um Homem, ou melhor, uma "instituição", de difícil apreensão. Por isso, não se julgue que irei nesta pequena prosa debitar certezas sobre um Homem que tinha imensas dúvidas sobre o mundo ou até "esculpir alguém" que, por natureza, é simples e ao mesmo tempo complexo. Antes, porém, de falar sobre o homem, o mestre e o amigo - Agostinho da Silva, - assunto que procurarei desenvolver, permito-me formular uma pequena ideia que tem passado pela cabeça dos amigos e de alguns membros (fundadores) da Associação Agostinho da Silva e que consistia na actualização e consequente edição da obra vasta e pouco sistemática do Prof. Agostinho. Ora como esta ideia maior aguarda ainda melhores dias esperemos que esta outra ideia de fazer nascer a referida revista, cujo espaço contemplará matérias relativas ao mestre e amigo Agostinho da Silva, seja objecto da melhor sorte junto da comunidade de leitores que visa servir.

Por outro lado, e na qualidade de modesto membro da Associação Agostinho da Silva, devo referir que a ideia da iniciativa da revista muito me agrada. Pelo que o "ciúme" da vossa ideia-projecto leva-me a felicitá-los pela oportunidade da proposta crendo que, para além de reactualizar, (através daqueles que o conheceram de passagem ou daqueles que mais de perto com ele conviveram) um corpo de conhecimentos e de reflexões que poderão vir a constituir um instrumento activo de cultura pode contribuir, por outro lado, para "agitar" as ideias que temos sobre a organização social, a organização económica e política do mundo em que estamos e daquele no qual gostaríamos de viver. Sem esquecer a Filosofia, evidentemente. É, segundo o que os teóricos do Estado designam por - o problema da escolha ideal do Estado mas também a procura desse Leviatão olhado como corpo real e concreto.

Perante o exposto, desejaria sublinhar a minha própria adesão a algo que a Associação poderia, ela própria, desenvolver. Quer com base no número, em qualidade e em quantidade de professores, amigos e outros "poetas à solta" que sobre o mestre Agostinho poderiam escrever, quer com apoio do próprio acervo de livros, ideias, valores, factos e testemunhos que estão disponíveis. E este preâmbulo tem tanta razão de ser quanto maior é o traço de união que liga portugueses e brasileiros. A história, a língua e o afecto são as traves mestras desse especial relacionamento que se verifica, aliás, nas mais pequenas coisas que ocupam o nosso quotidiano. Pelo que, e de um modo involuntário, quando pensamos no Prof. Agostinho da Silva, reflectimos em "alguém" cujo traço de personalidade, só comum aos portugueses de "alma plural, elevada e abrangente", aponta para atender primeiro às necessidades (intelectuais e outras) dos outros e depois à satisfação das suas. E isto vem tanto a propósito quanto uma das suas máximas de vida era ganhar tudo o que pudesse, poupar tudo o fosse possível e dar tudo que de bom houvesse. Acresce a estas qualidades excepcionais, Agostinho da Silva combinava características geralmente inconciliáveis numa só pessoa: grande inteligência e cultura histórica, enorme sensibilidade, grande espírito de tolerância e capacidade de compreender o outro.

Ora aquilo que as sociedades contemporâneas produzem são seres que, uma vez dotados intelectualmente, não conseguem ficar imunes ao preço do sucesso, da glória comunicacional (por se terem, entretanto, mediatizado) e o resultado, naturalmente, desagua na mais primária arrogância que só estimula a falta de comunicação entre os homens, coarctando também o fluxo de ideias e projectos a ele pertencentes. Ora, Agostinho era bom, inteligente, filósofo, pensador, culto, sensível e magnânime quando olhava cá para baixo para o mundo dos pequeninos que, não raro, se punham em bicos de pés a propósito das mais variadas coisas que, aliás, iam da economia à educação passando pela "alta cultura" (como ele costumava dizer) culminando (ou não) na política. Logo, outro dos seus lemas de vida parecia apontar para uma outra ideia nuclear e que se podia traduzir do seguinte modo:


Aquele que tem ideias é forte, mas aquele que tem ideais é invencível.


Era desse modo que o via na sua dimensão mais plural. E "Ele" era assim dentro de uma circunstância, que era a sua - amando uma nacionalidade (a que corresponde o Estado mais estável e velho da Europa) de dimensão geográficamente exígua, embora espiritualmente grande. Ao mesmo tempo, Agostinho da Silva tinha efectivamente amor pelas coisas e quando isso acontece, todos aqueles que tiveram o privilégio de com ele conviver, se convertiam em poetas, mas não propriamente à poesia. Livres no ser, no pensar e no sonhar. Enfim, vagabundeavam. Era essa a magia que o velho sábio de barbas brancas e com um ar ora maroto (de menino) ora reflexivo, como quem olha para muito longe apontando os caminhos do futuro, transmitia aos arquitectos, aos diplomatas que lhe pediam ideias, aos engenheiros que conjecturavam "pontes" de futuro, aos químicos, aos cinéfilos, aos homens da economia, do teatro, das artes e, também, aos médicos, aos juristas, aos vagabundos e outros «poetas à solta» sem esquecer, contudo, os estudantes que, como eu, bem como um outro inumerável conjunto de pessoas, o procuravam a fim de satisfazer uma necessidade intelectual ou, simplesmente, ser animado por aquela ideia de aprender a profetizar o mundo e conhecer melhor para ver mais longe e mais alto a natureza e a lógica das coisas. Sempre por dentro delas...

Relativamente à sua relação com a religião que, no fundo, procura ligar uma coisa a outra através de um vínculo de espiritualidade, também se pode detectar algo de original. Pelo que para o pensador em apreço, Deus era algo que se podia traduzir num simples agradecimento, mas também encerrava a ideia de um agradecimento interior que fazia ou desencadeava uma reacção tal segundo a qual, a partir desse momento, passaríamos a gostar mais de nós. E, por consequência, Deus em Agostinho da Silva podia ser interpretado como algo que radicava na capacidade que o homem tem, e que foi por ele desenvolvida, de ver em Deus um amigo e um inimigo. Resultado: era necessário obrigados, sob o ponto de vista intelectual, a encontrar admiração tanto no bem como no mal. Logo, a conclusão lógica que se impõe no quadro deste processo (e para concluir este ponto) aponta o homem, esse vigário de Deus cá na terra, como sendo o único ser que tem necessidade de um Deus bom e de um Deus que não o é. Ambos fazem falta e ambos se equilibram como se de uma balança de poderes se tratasse, porque se preocupa com a distribuição efectiva, em cada instante, da participação dos grupos na supremacia da direcção da sociedade global. Donde resulta o seguinte: não podemos supor que um certo grau de espiritualidade seja estranho ao fenómeno do Poder que é, como sabemos, o das decisões finais. E Agostinho da Silva percebia profundamente essa relacionalidade.

Do que se tratava, de facto, era que o amigo Agostinho corporizava uma espécie de Deus em pessoa. Com muitas virtudes e muitos poucos defeitos, e os que tinha eram de imediato diluídos pela força do seu carácter e do seu pensamento que se apresentava, aliás, pouco sistemático e muito errático. Era, todavia, sempre o mesmo para um alto quadro da administração, para um funcionário diplomático ou para um vagabundo que "atracasse" na Travessa do Abarracamento de Peniche a perguntar se tinha jeito ou vocação para o Teatro, como muitas vezes ouvi e vi. E ele, a propósito de tais formulações, era sempre elevado.


Na forma e no conteúdo, restituindo assim dignidade à pergunta e ao perguntador. Face a todo o exposto, defeitos não lhe conhecia nenhuns. Talvez um, que decorreu da circunstância de ter morrido cedo. Questão que coloca um desafio aos cientistas no sentido de descobrirem um "químico" com o objectivo de aumentar a longevidade daqueles seres excepcionais, - como Agostinho da Silva, - de quem o mundo depende. Fica o desafio para a comunidade científica pensar. Em suma, a ideia de Deus veiculada por Agostinho da Silva, comportava uma certa opção: ou era vontade de poder (Will to Power) e, nesse termo, constituía aquilo que os Deuses populares, chamados políticos, andam para aí a fazer ou, de contrário, tratava-se do poder dos sem poder - Powerless -, e então tornam-se bons necessariamente. É nesta esfera de reflexão que religião, que é uma certa ideia de Deus, (do nosso Deus) se mistura ou combina com as coisas do poder cujo conteúdo aproveito para explicitar sucintamente. O Poder, visto que ele está em toda a parte, era entendido pelo mestre como sendo todo percepção. Creio mesmo que a sua concepção sobre o poder decorria da sua não utilização que era, precisamente, a sua mais poderosa utilização. O truque está em usar o menos poder possível para criar a maior mudança provável. Logo o poder era para ser aplicado selectivamente, como um laser, de modo a não nos sentirmos dominados mas sim motivados.

Outra grande qualidade do mestre resultava da necessidade de nos ensinar a seguir um modelo de pensamento que combinava, em perfeita síntese, razão para alcançar a verdade e intuição, para temperar o sentimento. O seu sistema de comunicação apelava sistematicamente para o método socrático e para o consequente debate de ideias e de assuntos. Nunca impunha as suas, embora os outros vissem nelas instrumentos originais e poderosos relativamente às quais a realidade se ajustava. E, nessa medida, o Prof. Agostinho da Silva nunca utilizou argumentos de força mas a força dos argumentos.

Todavia, aquilo que mais me tocou ao longo dos anos que com ele tive o privilégio de conviver, em casa primeiro e depois no hospital, resultou de algo profundamente relacionado com a filosofia oriental da qual, aliás, Agostinho da Silva se sentia próximo. Apesar de não ser o autor das etapas que passarei a enunciar, o mestre sentia-se muito dentro daquele espírito Zen de pensar a vida e o homem dentro dela. As fases são em número de dez e procurarei ser breve para depois concluir. Deve-se, contudo, sublinhar que estas fases vão para além da poesia e procuram descortinar as pegadas ou o potencial que existe em cada um de nós no trajecto das nossas vidas. Ora é por entender que o mestre e amigo as percorreu todas que invoco aqui essas dez fases da vida que parecem, aliás, encontrar aplicabilidade na generalidade dos homens. Começarei, naturalmente, pela primeira fase. A saber:

1) O homem que há em cada um de nós está perdido. Daí a necessidade de continuar a busca. Porém, a confusão de sentidos é tal que não distinguimos os cruzamentos da vida a que a ganância e o medo só podem agravar no âmbito do processo de tomada de decisão mais conveniente para o seu futuro;

2) Depois da procura daquele objectivo, Agostinho ensinou-nos a "descobrir as pegadas" da vida. Condição só realizável se a espreitarmos através de múltiplas perspectivas e ângulos, pois só dessa forma vemos as coisas em profundidade;

3) Distinguir o objectivo que queremos prosseguir, i.é, quando temos uma oportunidade logo devemos colocar a nossa "maquinaria sensual" (que são os nossos sentidos) em elevada laboração a fim de potenciar melhor o que nos propomos fazer da e com a vida;

4) É chegado o momento de agarrarmos com unhas e dentes o tal objectivo que para nós é crucial. Sucede, porém, que esse pode fugir ao nosso controlo interferindo desse modo com a nossa vontade e com o nosso desejo. Fase essa que significa não estarmos ainda preparados, pelo menos sem mostrarmos a diplomacia do chicote, para dominar os nossos impulsos a que, seguramente, os nossos objectivos de vida não são alheios;

5) É nesta fase que o homem se apercebe que tanto o chicote quanto a cenoura são indispensáveis. Mas o magno objectivo é utilizar preferencialmente o segundo, filho da persuasão e do diálogo. Daí a relevância que Agostinho da Silva depositava, juntamente com os amigos, na conversa - no desbravar caminho para depois avançarmos mais seguros que o mesmo é dizer - menos incerteza e ilusão. Então, Agostinho, neste particular também tem muito de Sócrates, o tal ateniense que deu a sua vida em nome da verdade e pensou, também como aquele, que a razão é o resultado da subjectividade, com muitas dúvidas e erros à mistura;

6) Chegados aqui o velho mestre Agostinho da Silva interiorizou a ideia segundo a qual perder e ganhar são dois termos que são assimilados. É aí que nos montamos na vida, ou seja, naqueles objectivos/projectos que elegemos como prioritários mas que agora, nesta fase avançada, só importa seguir em frente e olhar para cima, mesmo que alguém nos chame lá de trás. Aqui o que importa, a quatro metas do suposto termo deste processo, é observarmos as nuvens lá no alto. Era o que Agostinho fazia dando aos amigos o exemplo do terraço, expressão que adoptava quando entreolhava o Rio Tejo, com barcos de recreio e de passageiros, (embora eu achasse que o que ele via, na sua lógica mental, eram Caravelas zarpando à bolina mostrando que o Português nunca teve receio de se aventurar no mar, esse desconhecido) através das janelas envidraçadas do seu terceiro andar solarengo. Desde que o tempo permitisse, evidentemente. Mas, segundo diziam os astros, o Professor também tinha óptima relação com o Tempo e, por isso, os metereólogos não deixavam de o consultar antes de mentirem acerca do tempo que ia fazer no futuro próximo;

7) É o tempo dos sábios. Nesta fase está-se transcendentalizado e, por conseguinte, a diplomacia do chicote e da cenoura são completamente dispensáveis. Só existe uma orientação, não duas. Acabaram-se as lógicas ou as sensações que o coelho sente quando depara com uma armadilha; do peixe quando é confrontado com a rede ou do homem quando não encontra razão para a vida e, por isso, sente medo de viver. Era nesse estágio que o mestre e amigo aparecia protagonizando um raio de luz a que os amigos não podiam deixar de ficar indiferentes e então rasgava-se um novo caminho, mais claro e sólido, sobre o qual o homem universal podia ou tinha a tentação de pisar;

8) Era a fase do filósofo. Ele era uma espécie de Céu. Nada já o podia perturbar. Nem a morte como eu próprio testemunhei no leito que o recolheu. Encarava tudo aquilo como se de uma descoberta se tratasse; como se o navio zarpasse para o Brasil ou para África e "Ele" só se preocupasse em saber se o navio tinha comandante à altura. Presenciei esta fase última da sua vida, juntamente com o Pedro, seu filho. As pegadas que tinha dado na vida estavam dadas e essas tinham marca de patriarcas. Era também uma fase em que os olhos dele deixaram de o ver e mesmo que milhares de pássaros espalhassem flores no seu caminho nada de novo, nem mesmo elogios (coisa que detestava) traríam qualquer alteração de circunstâncias;

9) Perto do fim, o mestre parecia querer regressar às origens. À sua Barca de Alva e ao Porto onde se formara. Era a viagem ao passado, à raíz da vida, à sua semente. E era com um profundo silêncio que o Professor Agostinho da Silva observava as formas e as dinâmicas de integração e desintegração da vida do homem em sociedade. Era neste termo que o filósofo via com clarividência aquilo que cria e aquilo que destrói e

10) Por último, o sábio como que tinha entrado no mundo. Como quem, por ex. após ter comprado bilhete tem direito a assistir ao filme. Não se ralava com o prolongar da sua, então, precária vida. E tudo em seu redor, como os amigos, as árvores e a natureza em geral pareciam tornar-se vivas e assim, todo o conjunto do sistema, parecia converter-se em algo profundamente belo mas, ao mesmo tempo, invisível.

Foi, pois, nessa zona menos visível (não tanto no hospital, onde não era muito visitado, pelo menos com a cadência com que os "amigos" o faziam em sua casa) que verifiquei a relatividade e até precaridade com certos valores, como a justiça e a gratidão eram exercitados. Ou seja, muitos daqueles que com ele conviveram parece não terem percebido muito daquilo que lhes foi dado ver. Ou então não sabiam que, como diria alguém, o Homem do futuro é aquele que tiver a memória mais longa. Todavia o balanço global é francamente positivo. Estou, humildemente, ciente disso e o Prof. Agostinho da Silva também. Onde quer que ele se encontre.

Por outro lado, a circunstância de ter sido também um dos pioneiros a pensar o projecto da Comunidade de Povos de Língua Portuguesa/CPLP - vinha dar razão à existência de verdadeiros laços consubstanciados em interesses e valores comuns. Mas Agostinho da Silva sabia que, nesse quadro intencional de relacionamento, havia sentimento a mais e razão a menos. E o espírito da lusofonia andou sempre no ar, i.é, sem tomar forma e conteúdo concretos. Presentemente aproxima-se, em Portugal, a realização da Cimeira que tem por missão instituir a CPLP. Esperemos, como desejava também Agostinho da Silva, que a congregação numa mesma estrutura de sete Estados (oito, se não nos esquecermos de Timor-Leste que é, aliás, um povo sem território nem Poder Político) junte mais um continente aos três já representados pelos países que integram a Comunidade: Portugal, na Europa, Brasil na América, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São-Tomé e Príncipe e Cabo Verde, em África, mais Timor, na Ásia. Provavelmente, neste novo quadro de relações internacionais (a nova ordem), o amigo, o mestre e o pensador, partilharia a ideia que parece estar em curso e que consiste na redefinição de um mundo português que nunca mais desapareceu. Ou, se quisermos, retomando a terminologia de Gilberto Freyre, - que nos anos 30 introduziu o conceito de luso-tropicalismo através das suas obras «Casa Grande e Senzala» e «O Mundo que o português criou». Será este projecto, como suporia o locatário da Travessa do Abarracamento de Peniche, juntamente com a procura de novas formas de institucionalização, como sejam: o Instituto Internacional da Língua Portuguesa, o Parlamento dos povos de língua portuguesa e, sobretudo, a Universidade dos sete, que irá dar forma ao "mar das sete diplomacias lusófonas" evitando assim que ele, mais uma vez, se torne salgado, porque aí as lágrimas não serão só de Portugal. Pensamos que o Prof. Agostinho da Silva acreditava profundamente, não obstante as contingências políticas e dos políticos, neste projecto lusófono. Por isso, retomámos a memória quer de um quer de outro. E, ao fazê-lo, devemos repôr parte do legado por ele deixado:

«Nos relatos de homens que tiveram experiência de África desde o século XV, que eles encontram o material mais valioso para saberem o que era aquele continente antes da chegada do europeu, e quais são as qualidades, os interesses, os projectos de África com os quais têm de retomar contacto para que uma África pós-colonial seja realmente uma África de futuro».

Não raro, o Prof. Agostinho dizia que era preciso estabelecer relações entre o Brasil e a África e, sobretudo, que os brasileiros aprendessem África, visto que se partia da noção zero de que ninguém sabia realmente coisa nenhuma daquele continente. Cremos, também, ser necessário que Portugal volte a aprender África sem, contudo, apagar aquilo que vai esquecendo acerca do Brasil e da Ásia.

Estou certo, retomando as 10 fases acima referidas, que Agostinho da Silva as percorreu todas. Conheceu-as bem, uma a uma. Fez um excepcional trajecto: foi determinado, corajoso, sensível, teimoso, humano e, sobretudo, superiormente inteligente. Dificilmente esquecerei, apesar de o Prof. Agostinho não servir chá, aquele mestre em filosofia Zen que foi procurado por um professor universitário que manifestara desejo e interesse em informar-se sobre o assunto. Aquele serviu o chá e encheu a taça do visitante E, depois, continuou a deitar. O visitante observou aquele transbordar até que não pode conter-se por mais tempo e afirmou ao mestre: está a deitar por fora. Não cabe mais nada! A resposta do mestre veio pronta: tal como esta taça, estás cheio de preconceitos, de opiniões (doxa) e de conjecturas. Assim, como poderei eu (dizia o mestre) revelar-te o Zen, se antes não esvaziares a tua taça (mental) ???

Quando me despedia dele, sobretudo na sua residência, fitava-me e dizia - "Até Logo" -(arrastado) como se fosse um adeus para sempre, para a eternidade - que nada podia separar. Adiante soltava um - "Venha quando quiser". Eis a frase que eu mais gostava de ouvir, e ele sabia-o. Ainda hoje, quando o recordo, facto recorrente na minha vida, penso naquela frase que o acompanha na última morada:


«Atingira um silêncio
Tão de espanto
Que era todo Universo
À sua volta
Um seduzido encanto».


Agostinho da Silva era um monumento feito homem e, só para recordar um poema de Carlos Drummond de Andrade, falando sobre a tristeza infinita, diria:

«A coisa mais triste do mundo é a boneca não brincada».

E depois também li (e ouvi) um pequeno cartão que em tempos Agostinho da Silva me enviara e que dizia simplesmente isto:

«Para expulsar o fel, mel mais doce que mel».


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  • Reflexão dedicada àqueles que hoje encontram no Brasil um destino seguro para se reencontrarem. O meu irmão Vitor é um deles. JAM é outro a outro nível. A ambos segue o meu fraterno abraço de amizade com desejos de bons futuros.