- Há dias recebi um mail duma pessoa amavél chamando-me a atenção para uma realidade que todos nós já conhecemos: a violação sistemática dos direitos de autor, agora em versão virtualizada que se corrompe net fora. É que muitos textos e inúmeras imagens são, hoje, vilmente copiados, adulterados e prostituídos. Ora isto é crime. Mas é ainda um crime brando à face da nossa cultura jurídica do deixa-andar que depois-logo-sevê.
- Isto em bom português é uma "filha-da-putice". Não se faz!!! E assim que me alertaram para aquilo que eu próprio já estava doutorado de saber, e também porque fui alvo e de certo modo contribui para adensar esse eco, tratei logo de saber como reparar a situação. Como? Citando o autor/a devidamente. Doravante, terei mais cuidado em republicar mails que me chegam, muitos deles de pessoas que se querem fazer publicar em blogs, e nós, por vezes, porque somos solidários e altruistas, republicamos essas coisas, ainda que penalizando os verdadeiros autores desse staf.
- Tudo isto para dizer o seguinte: mesmo na net as pessoas devem ter sempre o cuidado - na medida do possível - de citar a fonte que criou esse material. Desfazer disto é cometer um crime - diria - de falta de autenticidade. E não há pior crime dos que relevam do intelecto e da consciência. Por mim, tentei, reparar a situação e ora contribuo para que ela não volte a suceder.
- Mas esta questão é mais densa e complexa do que parece à 1ª vista. Vejamos como e porquê. Antigamente, o aspecto mais importante da liberdade era a liberdade dos indivíduos, e não a liberdade dos grupos. Por isso, o problema da liberdade dos grupos - no mundo - está a impôr-se sobre a liberdade das pessoas, que individualmente colocam problemas que a sociedade deve resolver (ou não).
- No séc. XVIII muita gente acreditava nos Direitos do Homem, mas não eram favoráveis aos direitos das organizações quando essas organizações tivessem finalidades que se opusessem às finalidades do governo da maioria.
- O cristianismo, o budismo, o marxismo e outras religiões tiveram a sua contribuição maior através dos indivíduos, e nenhum deles poderia ter emergido e florescido em Estados totalitários. Pois isso era incompatível com a liberdade natural. Galileu, por exemplo, foi maltratado pela Santa Inquisição, embora de forma tíbia quando comparada com os métodos mais modernos noutros pontos do globo, e de que, por exemplo em Portugal - tivémos triste notícia - com o Processo dos Távoras, e de muitas outras atrocidades cometidas pelo igreja Católica na América do Sul - que fez com que quando João Paulo II foi aos Andes os indígenas se recusassem a receber os ensinamentos da Bíblia. O Santo Padre percebeu a coisa e teve de retratar-se, ou melhor teve de pedir desculpa ao mundo pelas atrocidades cometidas pela Santa Igreja Apostólica Romana - que mais parece uma superpotência desgovernada.
- Ao abrigo de certos direitos e deveres muitos livros foram queimados, e nessa fogueira de vaidades também entraram muitos homens de valor intelectual.
- Depois veio a IGrande Guerra (1914-18) e aí a perseguição às pessoas tornou-se científica e eficaz. Esses crimes ganharam expressão maior com o "amigo" Adolfo que fez o que fez a 6 milhões de judeus, prestamistas de sucesso e odiados por todos.
- Supunhamos que num casal marido e mulher se passam a detestar. Na óptica da moral católica esses dois seres devem viver para sempre aprisionados um ao outro. Se, noutro ângulo, o leitor expender uma opinião desfavorável na universidade onde trabalha contra os corpos instituídos verá logo que é marginalizado quando não despedido; se for político não será reeleito; se for jornalista só será aceite num pasquim de província; se for padre será desterrado e assim por diante. Se fôr poeta e/ou bloger grita com os outros blogers.
- Ora com os direitos de autor a coisa é parecida. Não deixa de haver uma certa violência exercida sobre o verdadeiro autor duma obra que não se chega a citar. Ou inconsciente ou cirúrgica e incisivamente para ocultar deliberadamente o autor, o que é ainda mais grave e pérfido. Mas há homens para tudo neste nosso mundo em que vivemos, que parece um alguidar de alacraus.
- Temos, pois, de saber conviver com esses alacraus sem que, no caminho da vida, nos tornemos num igual. É aí que reside a sagesse e o talento do homem. Diferenciarmo-nos dos animais, dado que obedecemos mais aos aparelhos simbólicos e culturais (ou assim deveria ser) do que aos aparelhos biológicos que regem a vida dos outros animais - os quais não precisam dos direitos de autor para nada. Desconfio até que um cão, um cavalo ou um canário, com excepção do meu, que sabe falar janonês e tocar a guitarra do Carlos Santana, nem sequer sabem o que é isso dos direitos de autor e dos problemas daí resultantes.
- Tudo isto serve para fixar algumas ideias no caldeirão em que navegamos: a questão dos direitos de autor e a sua observância é, antes demais, uma questão cultural e só depois uma questão jurídica. Inverter esta formulação é não perceber nada da vida; é como pedir ao arquitecto e ao pedreiro que comecem a construir a casa pelo telhado. O fracasso é certo e depois ficamos soterrados sob os escombros.
- E é aqui que estamos: às chamadas forças da estupidez e da crueldade organizada, disfarçada em moralidade, que tendem a esmagar todos aqueles que querem afirmar legitimamente os seus direitos, a sua autoria, a sua identidade cultural, por vezes de forma naife, mas nem por isso menos correcta ou legítima. Ora são estas mesmas forças organizadas que, se não tivermos fortuna pessoal, fama ou qualquer outra forma de notoriedade ou de capital-intelectual junto dos meios de influência sociais, somos literalmente esmagados.
- Por vezes a forma que eu próprio encontrei para lidar com isso, quando esses dejectos culturalóides me batem à porta - apesar de não ter paciência para os procurar na net como quem busca agulha em palheiro - é, precisamente, dizer ao sujeito que se esqueceu de copiar as vírgulas, os travessões e o número de parágrafos que o dito cujo prostitui no gamanço cultural que me fez. Assim, o sujeito cora dos pés à cabeça. E acaba por cair da cadeira quando eu próprio, autor de determinado texto ou ideia esbulhada, me ofereço para ir ao domicílio desse crápula fazer as emendas para que a coisa se pareça mais com o original que ele copiou. Digo-lhe ainda que faço a coisa free from taxes, como nos aeroportos.
- Confesso que já fiz isto umas vezes, poucas, mas funcionou sempre - e sempre é acompanhado com um pedido de desculpas do artista. E a coisa fica por alí.
- Minha cara - não se afane, não se agaste. Tudo isso lhe rouba energias para fazer poesia. Basta-lhe, pois, recorrer à ironia - que é, como diria Eça de Queiróz, o sorriso da razão.
- E assim os entala a todos e ninguém "a come" por parva. Só se quiser... Bom, mas isso já é outra estória...