quinta-feira

Relembrar a memória de Alfama. Relembro-me!?

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  • Lembras-te quando morávamos naquele 2ºandar pequenino numa casa entre casas e paredes nossas e dos outros que nos separavam e uniam aos vizinhos do andar de baixo que tinham um bebé que chorava muito e ao vizinho do andar do lado que estava sempre a espirrar e nós ríamos no meio de choros e espirros e gritos dos vizinhos do andar de cima que tinham uma cama que rangia e uma vez cronometrei-os a fazer amor como se fossem corredores e o orgasmo meta que atravessaram pouco tempo depois da corrida ter começado e eu ri baixinho para não me ouvirem rir do amor rápido que faziam tão diferente do nosso quando me amavas como me amavas e te demoravas no meu corpo e as tuas mãos me navegavam e eu flutuava na tua boca e sorvia o ar como se me faltasses e pedia-te, ama-me, e tu dizias ainda não, e eu deserta do teu corpo errando nas tuas mãos e tu tão certo do meu corpo a murmurares, vem, e os vizinhos a adivinharem o teu murmúrio nos meus gritos e o vizinho do lado a suster o espirro para me ouvir e te adivinhar e me ter nas tuas mãos e no dia seguinte dava-me um sorriso cúmplice com o bom dia... Lembras-te?

    Foto. Tamara Loncar
    posted by encandescente at 12/07/2005

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  • Eu lembro-me - ou melhor RELEMBRO-ME...

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    Relembro-me de há quase 20 anos morar em Alfama numa rua estreita onde cabiam só três pessoas a andar ao mesmo tempo e ser essa uma rua com muita estória, tanta que agora me vem à cabeça o tal stream of conscienciounesse do genial James Joyce, a tal corrente da consciência que põe a nú tudo num ápice e me lembro do que passava com o couple de cima, do 3º andar, pois como morava no 2º ouvia tudo e se morasse no R/c seria a mesma coisa. E já sabia que as 6ªs à noite eram dias de gemer mais enquando - eu já preparado - colocava o algodão nos ouvidos para poder ler e estudar em lugar de ouvir aqueles brujessos a fingir que cantavam ópera dentro duma lata de conservas e quando espeliam gazes e orgasmos imaginava sempre que se tratava dum rebentamento duma centena de tomates dentro duma jarra de flores que era suposto terem rosas e cravos. Relembro-me desses dias, e dos dias de manhã em que todos descíamos a escada mas uns tinham de ficar retidos no semáforo da respectiva soleira da porta (que mais parecia um postigo de bonecas) de entrada porque os beduínos não conseguiam passar todos ao mesmo tempo pelo corredor apertado do mesmo curral. Relembro-me de Alfama, relembro a rua de S. Miguel e outras artérias mais sujas, relembro um casal de maricas comumente conhecido pelo "casal do papagaio paneleiro" e quando o papagaio vinha parar ao meio do chão, com o bico barulhento encravado nos intervalos das pedras da calçada imunda, ao lado das couves e das batatas da loja da frente era porque tinha havido discussão, só que era uma discussão ao mesmo tempo íntima e pública e todos ficávamos alí a saber que um dos cônjuges tinha ido fazer a noite para outra cama, deixando o cônjuge sedentário a penar em casa com o papagaio, carente de afectos e de muita maquinação sexual, que o nómada tinha procurado noutro poiso mais promíscuo. Relembro-me de ler Kant, Platão, Teoria do Estado, Ciência Política, Economia, Psicologias e outras manias, e também Eça de Queiroz ao som dessas paneleirices ecoadas com o sacana do papagaio às 5 da manhã a desatinar em delírio porque tinha vindo parar outra vez ao meio do chão a partir daquele 4º andar do prédio contíguo onde os maricas faziam regularmente o mesmo circo, com um do lado - de dentro da porta dizendo: hoje dormes na rua meu sacana traidor; e o outro - querendo entrar - retorquia aos berros: "Não há puta sem cabrão", não há puta sem cabrão e repetia isso ad eterno que ainda hoje, volvidos 19 anos, esse refrão ecoa no meu cérebro como campainha de escola secundárioa em vésperas de teste de matemática. Foram tempos sacanas, tempos panleiróides em que tive de gramar com essa merda toda por entre altas filosofias e outras tantas políticas e economias e sociologias intervaladas pelas relações internacionais do séc. XX findo. Há dias passei pelo lugar do circo e revi tudo já tão diferente, tão arejado, tão mais espaçado, e disse para mim: a merda da gaiola já lá não está, o sacana do papagaio já não lixa os ouvidos de ninguém com os zumbidos paneleiróides madrugadores, os maricas já puseram janelas novas de vidros duplos, as casas já estão pintadas, a loja das couves da frente virou uma charcutaria fina para enganar turista e tirar umas chapas, o talho virou boutique cafona, as pedras da calçada já não cheiram (tanto) a peixe podre enraizada nos seus interstícios, as velhas sentadas à porta já zarparam para 7 palmos abaixo da terra, os filhos delas, agora drogados, desempregados, desdentados e decadentes ocupam os seus lugares com o estaminé à porta - e os turistas continuam a procurar em Alfama um lugar de delírio arquitectónio do universo, um ponto de observação imagética do globo como se os autóctones fossem ETs, enfim uma antena do mundo que depois integra um albúm de fotografias abroad; e também um sítio de gritos e de muitas corridas quando os chungas indígenas resolvem passar pelos ditos turistas e levar-lhes as máquinas fotográficas com que pretendem registar o mundo: o mundo de Alfama, o mundo que povoou a minha memória, a memórias das minhas leituras universitárias, o role de amigas, de poucas namoradas de todas elas que por lá passaram e sentiram o aperto do espaço que é o microcosmo de Alfama. Uma Alfama que hoje está diferente, mas não tanto. O facto do papagaio já lá não estar, os maricas terem morrido de sida e as artérias parecerem mais fluídas - tal não significa que os turistas não sejam gamados, a pobreza e miséria não abundem, a velhice não se arraste andrajosamente, os negócios escuros - vindos de cima da Feira da Ladra - não se continuem a fazer, etc, etc, etc.. E por tudo isto pensei, por entre luminicências, encandescências e outras tantas heroicidades e eroticidades: bolas - Alfama é sempre Alfama. E eu tenho mais 20 anos, fo....Image Hosted by ImageShack.usImage Hosted by ImageShack.us Image Hosted by ImageShack.us
PS: O homem do futuro é aquele que tiver a memória mais longa, como diria o louco sábio do F. Niezstche. E Alfama faz-me supôr aqueles elefantes de memória que têm a velocidade da lebre. E nunca andei a gamar máquinas fotográficas.!!.. Ironias da vida, agora como espectador retro-prospectivo neste Portugal meio cómico meio neurótico em que todos somos obrigados a vegetar. Apesar de saber que qualquer dia todos temos de passar a gamar as tais máquinas fotográficas para podermos sobreviver. Será isto o "choque tecnológico" do único engenheiro com nome de filósofo no mundo? que parece que é PM de um País do 3º mundo europeu - à beira-mar acocorado...