domingo

Os pigmeus e as bananas... Uma incursão socio-antropológica.

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Meu bom Tio,

Eu preocupado co
m Oeiras e tu falas-me dos Pigmeus...
Um abraço de elefante mas com respeito pelos pigmeus que, em criança, sempre associei aos pinguins, pois supunha-os animais enormes e, afinal, são do tamanho de um menino de 3 anos. Enfim, erros de perspectiva somados às desilusões de adulto. Com a política e os políticos é a mesma coisa. Mas aí, porventura, as desilusões ainda são maiores...

Rui.

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Ruisinho:

Este episódio, autêntico, que te vou contar vale por si, mas é igualmente um pretexto para te falar dos Pigmeus. E porquê falar-te dos Pigmeus? Não és antropólogo, sociólogo, nunca viste nenhum Pigmeu, talvez num dos canais temáticos da TV, onde apareceram a propósito de um documentário sobre gorilas sob a denominação de Ba-akas. Mas é justo que se fale deles, não porque sejam baixinhos, exóticos, raros, antiquíssimos - os primei
ros habitantes da África Central - os melhores caçadores de sempre, no mundo, e tudo isto já seria muito mas, para mim, há outra razão que sobreleva todas estas: constituem um povo cujos princípios de vida deviam ser um exemplo a seguir por todos nós. Vejamos:

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-Nunca guerrearam, em toda a sua história, nenhum dos seus povos vizinhos, apesar de serem insuperáveis em coragem que põem apenas ao serviço das suas técnicas de caça ;

- Nada têm que desperte cobiça pelo que também nunca foram atacados;

- São solidários para com os outros, quem quer que sejam, nunca abandonando velhos ou deficientes, até aos limites em que esteja em causa a sua própria sobrevivência;

- Vivem desligados do passado e do futuro, como eles dizem: “…se não é aqui e agora o que importa onde e quando?…”

- Se não há passado não há remorsos e sem futuro não há angústias;

- Talvez por isso são genuinamente alegres e conversadores;

- Só conhecem uma riqueza, a sua capacidade para caçar sem a qual não podem manter uma família;

- Não suportam desavenças nem pessoas desavindas e tudo quanto perturbe a paz;

- Formam casais monogâmicos e são de uma fidelidade fora do comum;

-Nutrem pelos filhos um amor excepcional o que deve fazer estas crianças das mais felizes do mundo. O desvelo é tão grande que as crianças chamam de pais a todos os homens e mulheres da geração destes, avós aos da geração anterior e irmãos e irmãs aos da sua geração. Recentemente os especialistas aconselharam os pais a que, quando os bebés ficam inquietos pela a ausência da mãe, devem-lhes dar o peito. Os pigmeus há muito que o faziam por terem percebido que este contacto físico era saudável para com os recém nascidos . No ocidente os suecos chegaram ao mesmo entendimento mas não conseguem dedicar mais de 45% do seu tempo aos bébés enquanto que os pais pigmeus passam 47% do seu tempo com os seus filhotes.

-São gentis, espirituosos e de grande dignidade;

-Detestam a violência. O castigo mais grave que infligem é a expulsão do prevaricador do grupo, o que o obriga a integrar-se noutro sob pena de morrer porque não é possível sobreviver sozinho na floresta;

-Adoram o canto, a música e a dança. Os seus exercícios de canto são muito difíceis porque se trata de vários cantores, emitindo cada um deles, a intervalos de tempo pré-estabelecidos, a mesma nota ou uma certa melodia, sempre a mesma. ,O seu sentido de ritmo é de tal forma perfeito que efectuadas as gravações de cada um dos cantores e juntas todas as fitas da gravação o resultado foi um coro idêntico ao original porque nenhum deles se enganara no tempo.

- Não têm chefes, hierarquias ou leis. Existe igualdade entre homens e mulheres e as questões que dizem respeito a todos são discutidas à volta da fogueira;

-A sua divindade, se assim lhes quisermos chamar, é a floresta da qual se sentem fazer parte em tudo e para tudo.

E, finalmente, a história do pigmeu e das bananas:

- Um pigmeu roubava bananas no campo de um agricultor - que se escondeu, armado, para surpreender o ladrão. Ao ouvir barulho disparou e feriu-o mortalmente. Foi preso e condenado mas o pigmeu, antes de morrer, pediu desculpa ao agricultor perdoando-o pelo assassínio, afirmando que a culpa tinha sido sua porque não devia ter roubado as bananas.

- Agradeço a Francisco Cavalli-Sforza que acompanhou o seu pai, cientista no campo da genética, numa viagem de investigação sobre o estudo das populações humanas ao continente Africano e que reuniu num livro QUEM SOMOS NÒS – A História da Diversidade Humana - informações suas e o resultado das investigações do seu pai Luca Cavalli-Sforza. Por ele ficámos a saber que os Pigmeus só fisicamente é que são pequenos ou melhor, baixinhos. Em tudo o resto é uma grande gente, excelentes pessoas, sobre cujas vidas devíamos meditar e, talvez, nós próprios, há muitos anos atrás, algures na Europa, tivéssemos sido parecidos com eles.

Xau. Boa Noite que ela já vai alta.
Tio Quim


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  • Nota sobre os Pigmeus:
Está linkado no título desta reflexão


POVO FEIO E COM
GRANDES RABOS: LENDAS

Os Pigmeus criaram formas culturais próprias, de acordo com as exigências do seu hábitat. Isso, ao lado dos obstáculos geográficos e naturais, foi um dos fatores que os levou a viver isolados. Mesmo os poucos intercâmbios comerciais de carne e mel selvagem sempre se deram através de intermediários.

O longo isolamento na selva e a falta de contato com os demais povos africanos deu origem a lendas absurdas e racistas. Costumava-se descrevê-los como um povo muito feio, meio animal, chegando-se a fantasiar que possuíam grandes rabos.

Tais lendas foram responsáveis por atitudes discriminatórias por parte dos Bantu africanos, como também dos árabes e europeus, que os consideravam animais, sem alma. Há umas dezenas de anos, por exemplo, a tribo africana dos Magbetu perseguiu e matou todos os Pigmeu de seus arredores, caçando-os como se fossem javalis.

Fisicamente bem proporcionados, os Pigmeu são "baixinhos" se comparados aos nossos padrões: a altura média das mulheres é de 135 centímetros e a dos homens, de 145. Eles mesmos consideram sua baixa estatura uma vantagem, porque os faz ágeis em suas andanças pelas obscuras selvas africanas. E ainda fazem troça, chamando os altos e fortes Bantu de "elefantes desajeitados".

A cor da pele, acobreada e com matizes avermelhados, distingue-os claramente dos Bantu, de pele negra ou café-escuro. Também se diferenciam por suas tradições, costumes e sistema de vida. Por isso, é comum ouvir um pigmeu dizer: "Biso na baindu..." - "Nós e os negros...".

Em todos os grupos pigmeus, a unidade sócio-econômica é a aldeia, formada por uma dezena de cabanas e habitada por grupos de trinta a setenta pessoas. O mais velho, ou o caçador mais hábil, preside cada unidade.

A cabana, semi-esférica e totalmente coberta de folhas, tem de 2 a 3 metros de diâmetro e uma altura que raramente supera os 150 centímetros. Antigamente, sua construção era tarefa exclusiva das mulheres.

Os instrumentos de trabalho dos Pigmeu são poucos e feitos com madeira, ossos, chifres, fibras naturais e vegetais, dentes e sementes duras. Além de suas casas, são hábeis na construção de pontes de cipó sobre os rios.


CAÇA: MOMENTO MÁGICO
DA COMUNIDADE

A estrutura social dos Pigmeu é muito precisa, e há uma nítida divisão sexual do trabalho. As mulheres recolhem na selva tubérculos, fungos, larvas e cogumelos. A pesca, que só acontece na estação seca, é reservada, em alguns grupos, às mulheres e crianças.

Já a caça é atividade exclusivamente masculina e se constitui num momento mágico na vida da comunidade pigméia. Os homens se preparam para sair à caça se abstendo das relações sexuais e evitando toda "ofensa" à comunidade. Antes de partirem, há cerimônias de purificação e propiciação.

Nessas cerimônias, Mama Idei, a mulher mais velha do grupo, joga punhados de folhas sobre o fogo, fazendo a seguinte oração: "Abençoa, ó Deus, esses filhos teus. Olha para eles com atenção: estão famintos! Faz com que muitos animais caiam em suas mãos".

Então, com a boca cheia d'água, benze os arcos, as flechas e as redes dos caçadores com pequenos borrifos. Em seguida, cada caçador enche a boca de água e borrifa sobre o fogo, pedindo o perdão de seus pecados: "Deus, se agi mal, perdoa-me. Que a caçada não fracasse por culpa minha".

Certos grupos pigmeus são famosos pela caça do elefante, uma atividade valente e arriscada. Nela, alguns caçadores se aproximam o mais possível do animal e dificultam-lhe a marcha para que se distraia e caminhe devagar.

Enquanto isso, um dos homens se arrasta por debaixo do ventre do animal e lhe corta os tendões de uma das patas traseiras. Dessa forma, o elefante, debilitado e ferido, cai ao chão, e todos os caçadores se reúnem para matá-lo.


DIVERSÃO: DANÇAS COLETIVAS
E JOGOS MÍMICOS

Os Pigmeu, por viverem na floresta tropical escura, quente e úmida, encontram na coleta e na caça suas formas de subsistência. Não acumulam alimentos nem bens naturais e vivem daquilo que a natureza lhes oferece. Mas nem sempre contam com o suficiente para atender às necessidades mínimas - às vezes, passam longos períodos de fome.

Como os demais povos caçadores da África, nunca se interessaram nem pela agricultura nem pela criação de gado. O único animal doméstico que costumam ter é o cachorro.

A mulher é muito respeitada na sociedade pigméia, e a monogamia é uma tradição tão firme que chega a ser difícil aos estudiosos explicá-la.

O homem em idade de casar busca uma esposa em um grupo distinto do seu. É uma forma de intercâmbio: um grupo cede a outro uma mulher se este está em condições de dar-lhe outra no lugar, para que o vazio deixado por uma seja preenchido pela outra.

Todas as noites, os Pigmeu costumam se reunir em danças coletivas e jogos mímicos, que são suas atividades preferidas nas horas de lazer.

Não é fácil falar da religião dos Pigmeu, porque eles não costumam expressar suas crenças com ritos externos e, além disso, a religião dos diferentes grupos não é uniforme.

Geralmente, crêem num Ser Supremo criador, que se personifica no deus da selva, do céu e do além. Crêem ainda que as almas dos bons se convertem em estrelas do firmamento, enquanto as almas dos maus são condenadas a vagar eternamente pela selva e dão origem às doenças dos humanos.

Os Pigmeu acreditam também na vida além da morte, mas não se estendem muito sobre o assunto, logo se esquecendo das tumbas de seus antepassados.


POVO BANTU:
PATRÕES NEGROS DOS PIGMEU

As relações dos Pigmeu com a administração dos Estados em que vivem são complicadas e difíceis, como para qualquer povo semi-nômade. Os governos querem que se tornem sedentários para obrigá-los a seguir seus programas de desenvolvimento e integrá-los à economia nacional.

Alguns países pretenderiam usar os Pigmeu como curiosidade turística e convertê-los em patrimônio nacional, como se se tratassem de animais raros de uma reserva. Esta é uma situação discriminatória que, nascida das diferenças entre os Pigmeu e os demais povos africanos, ainda perdura hoje.

De natureza dócil e ingênua, os Pigmeu foram facilmente subjugados pelos Bantu. Em certas regiões, chegam a ser considerados parte do seu patrimônio familiar e, como tais, são transmitidos como herança de geração em geração.

Nessas condições, é o patrão negro quem responde por eles diante da sociedade. Defendem-nos em tribunais, onde às vezes os Pigmeu nem sequer têm o direito de comparecer, e conservam seus eventuais documentos públicos, que usam sem maiores controles.

Os Bantu desfrutam dos bens que os Pigmeu caçam e colhem e exigem que trabalhem em seus campos. Em troca, lhes dão retalhos velhos de tecido, alguns produtos de cultivo e até suas cabanas, quando estas já estão semidestruídas.


VIDA E CULTURA AMEAÇADAS
PELO PROGRESSO

Quando estão entre estranhos e distantes de seu hábitat, os Pigmeu parecem tristes, preguiçosos, introvertidos. Na selva, ao contrário, são alegres, muito ativos, comunicativos e acolhedores. Para eles, o sistema comunitário é essencial e determinante.

Enquanto para o negro em geral a selva é uma madrasta perigosa, para os Pigmeu é uma mãe amorosa que os acolhe, nutre e protege. Dela eles recebem o material para construir suas cabanas, a madeira para seus arcos e flechas e o alimento cotidiano.

Hoje, como no passado, a sorte dos Pigmeu está ligada à selva. Fora dela, sua cultura e sua vida se perdem. Mas ultimamente o seu meio ambiente está sendo cada vez modificado e destruído pela extração de madeira, extensas plantações de café, minas de ouro e diamantes e implantações industriais.

Além disso, o uso de armas de fogo por parte de negros e brancos afasta sempre mais os animais selvagens, dificultando a caça, atividade essencial para a subsistência dos Pigmeu.

Qual o futuro dos Pigmeu? Eles conseguirão se integrar numa sociedade moderna sem perder a sua identidade cultural?

A discussão avança em terreno desconhecido. Qual o tipo de desenvolvimento adequado para uma população semi-nômade? Sabe-se muito pouco a respeito, e há o risco, sobretudo, de se querer responder a essa questão em nome dos próprios Pigmeus