- O Homem debruçado sobre o nosso Tempo, tentando reiventar-se à medida que ele escapa por entre os ponteiros da vida.
Caro Rui,
Tem sido sempre com grande interesse que vou acompanhando a troca de assuntos com o seu Tio Quim, e espero que os nossos actuais relógios, alguma vez nos dispensem tempo para um repasto de convívio.
Ao ler o seu artigo e em especial o do seu Tio Quim, também me recordei da minha primeira “cebola”, como também eram designados algumas daquelas máquinas, que pela importância que transmitiam ao novo proprietário, até se tiravam fotos com a manga um pouco arregaçada para marcar bem o orgulho que homenzinho, seu proprietário, tinha na sua posse.
Vivia eu em Angola, numa simpática vila do planalto do Huambo, a Caála (nome gentílico) e que tinha um outro nome oficial de Vila Robert Williams, quando, um belo dia, chegou uma encomenda dos meus Avós - onde lá vinha aquela verdadeira relíquia de família: um “Tittus Geneve” - o relógio.
Até lá tinha aprendido com o Calenga, um empregado preto, que me ensinou muita coisa do mato e da vida indígena e que ainda hoje recordo com saudade, a medir o tempo pela sombra que o Sol projectava. Os indígenas não tinham o hábito do uso do relógio solar que o Rui projecta no seu artigo, mas faziam riscos no chão a marcar o meio-dia que uma sirene da serração lá da terra anunciava. Também eu marcava a sombra projectada no chão da minha sala de aula da primária para ter uma noção da aproximação do intervalo, meia hora de grande importância futebolística, pois ou ia ser o Azevedo (guarda-redes) ou o Travassos (avançado) ambos do Sporting, conforme a posição onde jogava.
Com aquela máquina no pulso, julgo que nunca mais fui Azevedo, não fosse no entusiasmo das defesas para a “fotografia” estragar aquele relógio, novo meu, velho do meu Tio Zé.
Julgo que nos primeiros dias, de 5 em 5 minutos, punha o relógio ao ouvido para através do tique-taque ou olhando para o ponteiro dos segundos, verificar se ainda trabalhava, era uma preocupação constante, e o meu primeiro relógio de forma rectangular e de ponteiros em forma de ponta de seta lá foi durando até que, agora já em Portugal, recebi um outro relógio.
Com a independência do antigo Congo Belga, alguns refugiados traziam objectos que procuravam negociar para realização de dinheiro para as primeiras necessidades.
Foi então que o meu saudoso Pai, comprou um lindo relógio a um desses refugiados, que brilhava aos meus olhos por todo o lado, um Oris , e que me acompanhou na adolescência até que já em Lisboa chegou também o tempo de comprar um Cauny. Este foi comprado por mim a um Garda-Fiscal contrabandista.
Lembro-me que me pediu 950$ por uma bela máquina, com cronómetro e tudo, ao que eu respondi que havia outro Guarda que já me tinha oferecido outro igual por 750$, e com garantia. Resmungou dizendo que estes “gajos” andavam a estragar o negócio e que isto se assim continuasse qualquer dia tinha que deixar o contrabando, mas mesmo assim fez o negócio pelo novo preço e que também me deu garantia. Calculo!.
Rui, não gostava de ser cansativo com estas minhas recordações que também o seu interessante artigo me suscitou, mas permita-me ainda chamar a atenção para uma ligação do relógio mecânico a um exemplo que utilizei em acções de formação de gestores.
Aqui socorrendo-me da figura do mecanismo interno de um relógio, representava nas várias rodas dentadas os departamentos de uma empresa, isto é Finanças, Planeamento, Vendas ou Serviços, Controle, Recursos Humanos, etc. E numa pequena mola representava o Gestor. Na face externa do relógio, nos seus dois ponteiros, fazia representar os Lucros ou os Serviços. E com esta imagem lá dava a minha lição do relógio:
O tempo passa e jamais volta ao ponto de partida…
As peças de um relógio movimentam-se sincronizadamente – cada roda dentada faz avançar outra – não há conexões inúteis…
Numa empresa, num ciclo administrativo terá de existir um movimento uniforme, regular e ininterrupto de todos os seus elementos…que não devem ser a mais ou a menos …
A energia criadora dentro de uma Empresa ou Serviço Público reside na energia, experiência e imaginação do seu Gestor. Ele faz as rodas girarem, motivando a sua equipe, decidindo.
A qualidade das decisões determina o progresso da Empresa ou a qualidade dos Serviços prestados…!
Rui, a finalizar e socorrendo-me ainda da figura do relógio OMEGA, quero deixar a imagem de alguns gestores que são igualmente bem representados pelo OMEGA, isto é não adiantam nem atrasam…
Aquele abraççççço,
Jorge.
- O homem do Tempo - ladeado por um OMEGA e por um ORIS
PS: Confesso que aprendi imenso com esta reflexão que amavelmente me foi enviada pelo Jorge Zambujo. Repleta de ângulos novos e mui enriquecedora dos pontos de vista que eu e o meu tio aqui - e no macroscopio - desenvolvemos. Julgo que isto já não são meras considerações sobre relógios e ponteiros e vivências. São já pequenas (grandes) experiências que podem reportar ao mundo complexo da gestão, das pequenas e grandes decisões que afectam as famílias, as pessoas e também as grandes multinacionais, que correm sempre contra o tempo, ou seja, a favor dele e dos seus assets (activos financeiros), como agora se diz em economês. Por tudo isto só poderei agradecer e estar grato ao amigo Jorge Zambujo - por ter aqui partilhado connosco também as suas memórias, perspectivas e visões nos planos - micro-macro estratégico da ordem da gestão do tempo e das decisões de risco que o influenciam no mundo das empresas. Afinal, uma lição acerca da cronometragem do tempo político com o tempo social, resultando dessas duas dimensões do Grande Tempo - uma espécie de registo do tempo pessoal de cada um de nós. Ou como diria Sto Agostinho - No Espaço do Meu tempo, No Tempo do meu Espaço...