terça-feira

Terrorismo Internacional na F.C. Gulbenkian


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Conferência Internacional
“Terrorismo e Relações Internacionais”
Fundação Calouste Gulbenkian
Sessão de Abertura, 25 de Outubro de 2005, 9h30

Senhor Presidente da República, Excelência
Senhores Secretários de Estado
Senhores Embaixadores
Senhores Participantes e Convidados
Senhoras e Senhores Administradores da Fundação, Caros Colegas
Minhas Senhoras e Meus Senhores.


Cumpre-me, em nome da Fundação Calouste Gulbenkian e no meu próprio, agradecer a Vossa Excelência, Senhor Presidente da República, ter aceite, uma vez mais, presidir à abertura desta conferência. A presença de Vossa Excelência e as intervenções que aqui tem proferido têm constituído simultaneamente um estímulo para a nossa iniciativa e um valioso contributo para o enquadramento político dos temas em debate. Muito obrigado.

Quero também saudar o Professor Fernando Gil – um dos mais esclarecidos e incisivos pensadores portugueses – que, como consultor da Fundação, nos vem ajudando, assumindo o comissariado da Conferência, trazendo a Lisboa um conjunto de notáveis especialistas, e fazendo a reflexão de síntese final.

O encerramento de um ciclo

Com esta conferência encerramos o ciclo iniciado em 2003 tendo como pano de fundo a antinomia “conflito e cooperação nas relações internacionais”. Antinomia onde se condensa a convivência da ameaça e do risco, que experimentamos neste nosso tempo, com a esperança de que “a defesa da liberdade e a aspiração de justiça” possam todos os dias ganhar terreno.

A primeira conferência – Relações Transatlânticas Europa/EUA – procurou enquadrar a controvérsia Estados Unidos/Europa, subitamente agravada pela crise iraquiana e pelas divisões que gerou no interior da própria Europa.

Em 2004, reflectimos sobre As Novas Fronteiras da Europa – O Alargamento da União: Desafios e Consequências, num período marcado por múltiplos acontecimentos com decisiva implicação no ritmo e na direcção do processo de construção europeia. Há um ano, nesta mesma sala tínhamos ainda uma expectativa positiva sobre o Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa. Hoje, o apelo ao reinventar do imaginário europeu é necessário e urgente porque é preciso reencontrar o rumo e reconciliar os cidadãos com o projecto europeu.

A cena internacional não é escassa em temas fonte de preocupação, que carecem de reflexão e que animariam o nosso debate. Como a crise energética, com a alta duradoura dos preços do petróleo, e as suas múltiplas implicações na economia e nos equilíbrios geo-estratégicos. Ou áreas críticas de tensão e conflito, sem fim à vista, como no Iraque. Ou a persistência intolerável de níveis de pobreza e de subdesenvolvimento, perante o deslizar da realização dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio das Nações Unidas. Ou ainda a reflexão sobre a própria reforma da Organização das Nações Unidas, neste ano em que completa 60 anos e se celebra o centenário do nascimento de Dag Hammarskjöld, o Secretário Geral morto ao serviço da Paz e que tão profundamente marcou a “personalidade” do cargo.

O Terrorismo e as Relações Internacionais

Escolhemos como tema o Terrorismo Internacional. O mundo não é o mesmo desde a manhã de 11 de Setembro de 2001. Perante a nossa estupefacção e incredulidade, um absurdo brutal, tornou-se um risco permanentemente possível de acontecer em qualquer lugar e em qualquer país. O sentimento de uma nova e enorme vulnerabilidade passou a acompanhar-nos no quotidiano e a revolta perante o absurdo a ter o sabor amargo da incompreensão e da impotência.

Quatro anos volvidos, a lista de atentados a somar a Nova York e Washington é impressionante: Bali, Moscovo, Mombaça, Riade, Casablanca, Istambul, Madrid, Beslan, Jacarta, Londres e Sharm el-Sheik. Uma abordagem racional, sistemática e sem comprometimentos ideológicos impõe-se. Mas a questão continua sensível e complexa – basta dizer que não existe uma definição de terrorismo comummente aceite – e é fonte de perplexidade para uma humanidade confrontada com um fenómeno de uma enorme dimensão, que persiste, se transfigura e renasce.

Ao tentar abordar este tema, temos de reconhecer as mutações que se verificam no historial e nas diversas manifestações que, ao longo do tempo, caracterizaram a acção dos diversos núcleos terroristas.

Um traço comum, porém, se mantém: o uso da violência indiscriminada, hoje alargada à deliberada intenção de afectar o modo de viver e a estrutura político-institucional em múltiplas regiões do planeta, através de indivíduos ou grupos que se espalham por um significativo número de países ou áreas geopolíticas. Não é um terrorismo de libertação nacional ou de afirmação do direito à diferença. O terrorismo actual é um terrorismo nihilista, de destruição pela destruição, de maior violência e mais letal. Trata-se de um “terrorismo novo, globalizado e franchisado”, como alguém o designou.

Associado muitas vezes à invocação de motivos religiosos, verifica-se a “vontade de não fazer cedências, de não aceitar compromissos e a preferência pela destruição total em vez da derrota. Assim, a violência deixou de ser um meio para atingir um objectivo, mas um objectivo em si mesma.” (Craig White)

O seu âmbito é global e não episódico nem conjuntural. “Teológico-político”, como o definiu o Professor Fernando Gil, é num pragmatismo sem limites que se revela. Sabe explorar com proveito as novas tecnologias e os sistemas globais de informação, que facilitam as suas estruturas organizacionais em rede que ampliam o efeito das acções e que dificultam o seu combate.

Para combater o terrorismo requerem-se formas adequadas de dissuasão e o saber combinar, não só todos os instrumentos à disposição dos Estados mas, também uma indispensável cooperação internacional que permita agregar os esforços que são requeridos para ter êxito na luta anti-terrorista e a percepção racional e sem preconceitos do fenómeno, para formar a opinião pública de molde a estruturar a resistência das nossas sociedades.

As Nações Unidas

Sem esquecer as responsabilidades dos Estados e das organizações regionais bem como de cada comunidade, sendo o terrorismo um fenómeno global, as Nações Unidas são, ou deveriam ser, a primeira plataforma legítima para tomar posições estratégicas neste domínio.

A ONU pode agir como centro de irradiação em relação aos países membros, seja para os direitos humanos, como as leis humanitárias e a protecção aos refugiados, seja para facilitar o encontro de um equilíbrio entre as sensibilidades particulares de cada um e os problemas globais de segurança. Promove, ainda, diálogos culturais e religiosos entre o mundo islâmico e o mundo ocidental e tem vindo a sublinhar o que entre ambos existe de valores partilhados, por forma a melhor educar o público em geral acerca dos perigos do terrorismo no mundo.

Em Setembro, na cimeira mundial de chefes de Estado e de governo, na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, por ocasião da 60ª Assembleia-geral das Nações Unidas, o projecto de documento final apresentava propostas de identificação dos elementos essenciais para uma estratégia de combate ao terrorismo.

Os resultados finais foram lamentavelmente de alcance limitado, inclusivé quanto à proposta para aprovação de uma definição de terrorismo e quanto às recomendações aos governos para que actuem de forma concertada para manter compatíveis as medidas contra o terrorismo com as normas internacionais de direitos humanos, isto é, submetendo o combate ao terrorismo ao direito internacional e ao direito humanitário.

Mas é de esperar, que na base do que foi finalmente aprovado, as Nações Unidas fiquem, ainda assim, em condições de continuar a promover o diálogo e o entendimento alargado dos problemas que se inserem na órbita da luta contra o terrorismo.

A União Europeia
A crise de emergência do terrorismo, ao abater-se sobre os dois lados do Atlântico, poderia ter constituído uma ocasião de aprofundamento das relações transatlânticas, que infelizmente a intervenção unilateral dos Estados Unidos no Iraque veio em boa parte précludir. Poderia constituir também uma oportunidade para enquadrar uma verdadeira refundação da NATO, estrutura que não deve perder-se mas carece hoje de uma missão clara.
Como recordou recentemente Gijs de Vries, actual coordenador para o contra-terrorismo na União Europeia, a Europa já não é apenas uma base de apoio para atentados terroristas a realizar em outras áreas. É ela própria “origem e alvo de terrorismo”.
Desde 2001, os Estados membros da União têm desenvolvido e adoptado um conjunto alargado de políticas contra o terrorismo. Em Junho de 2004, o Conselho Europeu adoptou um Plano de Acção contendo mais de 100 iniciativas a desenvolver pelas presidências da União até ao final do corrente ano. Actualizado semestralmente este plano cobre várias áreas prioritárias: partilha de informação e cooperação entre polícias, combate ao financiamento do terrorismo, protecção civil e protecção de infra-estruturas críticas e actuação sobre as causas de radicalização e recrutamento terroristas.
Apesar do inegável progresso ao nível da cooperação europeia, persistem dificuldades, dado tratar-se de um espaço ainda fragmentado relativamente às forças da lei e da ordem e que é, por outro lado, um espaço física e socialmente permeável.

Com efeito, a supressão das fronteiras nacionais deixou os Estados europeus expostos a novas vulnerabilidades e perante desafios que tendem a ser globais e transnacionais e que exigem respostas do mesmo tipo. As tendências no âmbito da segurança não são distintas das consequências da globalização em outros domínios.

Além disso, as medidas que vêm sendo encaradas ou propostas são de natureza especialmente sensível: ou porque tocam o núcleo duro das soberanias ou porque, ainda que se reconheça que são indispensáveis e inadiáveis para garantir a segurança do cidadão, não deixam de levantar dificuldades no respeito dos direitos e garantias individuais.

Nesta linha, o modelo do Estado–nação em que assentam as nossas democracias – enfraquecido por ser ter tornado, como diz Philip Bobbit, cada vez mais Estado-mercado - parece estar ultrapassado na capacidade de gerar repostas à altura das novas ameaças e em encontrar propostas inovadoras e mobilizadoras, nomeadamente no desenhar de soluções para comunidades que resistem à integração nas sociedades de acolhimento.

Longo é, pois, o caminho que resta ainda percorrer para fomentar a confiança recíproca e fortalecer a cooperação.

A Sociedade Civil

No domínio do combate ao terrorismo – que é também um ataque à democracia - não podemos esquecer a importância do papel dos cidadãos e das organizações da sociedade civil.

Uns e outras têm um papel fundamental na promoção do diálogo entre diferentes comunidades, na difusão da reflexão sobre as causas do terrorismo, no exercício da cidadania responsável e tolerante, no lançamento de projectos educacionais e sociais que contribuam para a inclusão e a convivência tal como na difusão do conhecimento e das experiências do encontro de culturas.

Conclusão

Fenómeno politico, económico, social, cultural e religioso, com raízes antigas e complexas mas exacerbado por manifestações contemporâneas coloca com dramática evidência de que a cultura conta (“culture matters”). Fomentar o diálogo entre distintas culturas nem sempre é fácil; mas não podemos desistir. Está ao alcance de todos a possibilidade de intensificar os intercâmbios culturais e prosseguir o diálogo entre fés distintas (o chamado interfaith) e estimular as diferentes comunidades para um esforço comum no sentido que diminua a percepção conflitual das diferenças entre “nós e os outros”.

Neste combate, que deve ser firme e sem quartel, importa porém evitar responder ao radicalismo com outros radicalismos, nem repetir estereótipos simplistas e simplificadores. Como refere Jean-Marie Colombani, “nada seria pior na batalha contra o terrorismo, que renegarmos os nossos valores”.

Para a nossa maneira de viver e encarar a vida, o terrorismo aparece como um cataclismo brutal e absurdo. Estamos a poucos dias de se cumprirem 250 anos sobre outro acontecimento brutal, o terramoto de Lisboa de 1755 que deixou a Europa do Iluminismo em estado de choque. Quando poderemos dizer, como Voltaire no “Poeme sur le desastre de Lisbonne”, que dedicou ao acontecimento:

« Nos chagrins, nos regrets, nos pertes, sont sans nombre.
Le passé n'est pour nous qu'un triste souvenir;
Le présent est affreux, s'il n'est point d'avenir,
Si la nuit du tombeau détruit l'être qui pense.
Un jour tout sera bien, voilà notre espérance;”


Muito obrigado.

Emílio Rui Vilar