terça-feira

Comunismo em análise, ou melhor em revisão..

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Ruizinho:
  • Acabei agora de ler com muito agrado as tuas notas sobre o Álvaro Cunhal. Quase fiquei com a sensação que o Miguel Sousa Tavares leu o teu blog antes de ir ao telejornal da TVI,… tal foi a aproximação. As pessoas da minha geração guardam dele uma especial recordação. É perfeitamente natural. A PIDE não era para brincadeiras. Entrava de noite na casa das pessoas e não dava satisfações a ninguém. Era uma polícia acima de todas as outras. A lei não se lhe aplicava. Eles é que eram a lei.
  • Todos aqueles que os afrontavam eram homens necessariamente corajosos, dignos da nossa admiração, capazes de fazerem o que nós, vulgares cidadãos, não éramos capazes. E esta admiração, na maior parte dos casos, não tinha qualquer componente política. Era a coragem dos fracos contra a prepotência dos fortes. Como ficar indiferente? Ninguém estava politizado. Eu nasci num berço dourado num bairro operário, paredes meias com o bairro de lata mais antigo de Lisboa, o bairro chinês. A pobreza era generalizada , o racionamento resultante da guerra ainda agravava mais as coisas. Se eu tivesse nascido do lado de lá da barricada em vez de naquele grupo reduzidíssimo de privilegiados teria aderido ao PCP e o Álvaro teria sido o meu ídolo e como tal teria ficado para o resto da vida. Os grandes amores da juventude perseguem-nos para sempre. Aqui não há política, há sentimentos de fidelidade, há um passado que é preciso respeitar porque os homens têm memória. Isto não se aplica aos Bernardinos Soares e a todos aqueles que estavam por dentro da doutrina, que assistiram à invasão da Hungria, da Checoslováquia, que tomaram conhecimento dos pôdres dos regimes totalitários comunistas, que entraram na liberdade há 30 anos com o 25 de Abril e que sendo pessoas inteligentes, com acesso a toda a informação fidedigna se mantiveram agarrados a um partido cuja ideologia e resultados no terreno, especialmente depois da perestroika, ficaram à vista de todos.
  • Respeito e compreendo aqueles homens e mulheres, gente simples que hoje, sincera e comovidamente, se foram despedir do seu ídolo.
  • De todos os outros, não sei o que pensar deles. Nada daquilo hoje já faz sentido. Por vezes até penso que andam todos a representar uma peça cujo enredo já sabemos de cor e salteado. E que bem que representam….
Mais uma vez, gostei muito do que escreveste. Grande lucidez .
Xau .
Tio Quim


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  • Nota prévia: pode parecer estranho a escolha desta imagem para ilustrar os argumentos infra. Mas passo a explicar: se tivesse sido comunista toda a vida e percebesse onde estou hoje - sentir-me-ía um pouco como o porco: enganado, treinado para ficar no banco e nunca jogar, engordado e depois mandavam-me para o talho da história para aí ser esventrado e consumido por outros porcos que aguardavam pelo mesmo destino - na linha de montagem dessa utopia negativa. Todos aqueles sonhos, professias, doutrinas, projectos, ideias, ideais, enfim, toda essa religião da política foi cano abaixo. Muita gente ficou cega por isso, e depois refugiou-se na prosa e nos riscos que assinalava em telas que queriam dizer algo. Algo a um mundo que já não existe, ou se calhar nunca existiu, senão na cabeça d'alguns ditadores de trazer por casa de que Lenine, Stalin, Nikita, Bresnieve e quejandos foram os ícones no outro lado da cortina de ferro.

Meu bom Tio,

  • Lucidez dás-me tu aqui. De facto, subscrevo tudo o que dizes. O romantismo na política amarfanhou toda aquela gente iletrada e inocente. Muita gente boa - que lutava por ideais que jamais seriam realizáveis... Expropriar terras para dar ao povo, nacionalizar propriedade privada, fábricas, indústrias, banca, seguros, tudo isso foi um excesso, um desnorte, um crime de lesa pátria. Se Cunhal tivesse sido PM de Portugal - teríamos hoje aquelas estradas de macdame da Albânia e ainda andávamos ranhosos pelas ruas mostrando que desde a idade do fogo pouco tínhamos evoluído. Foi, de facto, a condição social, a pobreza e as privações que fizeram aquela gente fieis comunistas, e isso tem de se respeitar em absoluto.
  • Agora a ideologia (contra-natura) e a praxis política em quase todo o movimento comunista internacional é de enviar directamente para o caixote do lixo da "estória". A luta de classes já não é a essência da História, nem a sua racionalidade. Essa luta assume hoje múltiplas contraposições e clivagens, motivada pelas mutações tecnológicas e pelas transformações da produção, do conhecimento e do saber - nova fonte de poder. As leis que animam essas clivagens são outras e o materialismo dialéctico não passa de um vestígio político que hoje apenas merece uma referência de salão, uma curiosidade etnográfica em museu antigo. Os seus profetas - Marx, Engels (que lhe pagou a edição dos livros e o sustentou), Lenine depois - são deuses menores sem muita consulta. São religiões mortas e profetas esquecidos pela nova economia que marca a marcha inexorável da História. A perda do revolucionarismo na percepção dos novos ventos da história mostraram até à exaustão que só a via reformista era compaginável com a evolução das sociedades.
  • Enfim, hoje quando pensamos no papel do comunismo mundial neste último século (XX) teremos de equacionar uma série de factores e fazer a revisão deles todos, em bloco:
  • A interpretação da história sob o ponto de vista económico
  • A dinâmica da Revolução social
  • A revolução como solução única
  • As contradições económicas do capitalismo
  • O papel do assalariado e dos sindicatos
  • A doutrina e as regras do comunismo de hoje
  • A praxis política do comunismo soviético e o seu passivo no mundo
  • A forma como eram reprimidas as revoltas dos nacionalismos nos países satélites do ex-Leste Europeu
  • A ausência de eleições livres, o medo, o seu conceito de "democracia popular", as sevícias, as deportações, as purgas, os trabalhos forçados, a Sibéria, a violação dos direitos humanos
  • O Gulague
  • O Politbureau da Av. da Liberdade em Lisboa - as expulsões
  • O colectivo sobre o individual cerceando toda a liberdade e criatividade - salvo os livros e as pinturas do chefe..

Dizia-se que quando nos batiam à porta no Ocidente era para entregar o leite, o pão ou o jornal; e quando o faziam no outro lado da cortina de ferro era o KGB para prender alguém que se desviou das malhas apertadas da ortodoxia comunista definida por Moscovo que Cunhal seguia cegamente.

Se calhar também foi isso que o cegou deixando o PCP entregue aos menos capazes e menos audazes (à fidelidade canina) - coisas que hoje o Bloco de Esquerda faz muito melhor roubando espaço sociológico ao velho comunismo que hoje vai a enterrar. Que descanse em paz. Mas o balanço está ainda por fazer. Contudo, não queremos aqui desculpabilizar as selvajarias que o belo sistema capitalista tem feito ao longo da história. Mas num a desgraça fez-se sem liberdade; no outro vive-se o drama em Liberdade.

É a velha história do cão magrinho que vadeava por onde queria - em plena liberdade; por contraponto aquele outro cão que estando preso tinha cominha a horas. E um dia o cão que tinha liberdade perguntou ao cão que estava preso: porque é que não pelo aí no sítio da coleira???

Bom, julgo que isto já deixou de ser uma questão canina e passou a ser uma questão filosófica. Ou melhor, de filosofia política...
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