terça-feira

Origens.. - Regresso ao futuro (digo eu)

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  • Tio, este aqui és tu em plena regressão...
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Ruisinho:

Alguém disse: “que aquele que for a África não regressa na totalidade”. É verdade, parte de mim ficou lá. E não foi preciso uma vida. Bastaram meia dúzia de anos, metade deles em Angola e outros tantos em Moçambique. Tenho pena que essa experiência, partilhada por tantos milhares de compatriotas meus, tivesse terminado de forma tão traumática. Os erros em política pagam-se caros, por vezes muito caros, e raramente por aqueles que os cometem. O continente africano não merece ser recordado com sentimentos envoltos em dor e ódio.

Infelizmente, aqueles poucos dias em que me visitaste com o teu pai, na cidade da Beira, foram insuficientes, para além de que ainda eras muito garoto, para ficares tocado pelos encantamentos daquela terra. Nem tudo se pode aprender nos livros, e tu sabes isso porque já o escreveste. As vivências constituem as experiências mais enriquecedoras, por vezes enganosas, mas sempre enriquecedoras, do conhecimento da realidade.

Mas hoje, queria falar-te de África, ou melhor de uma experiência estranha pela qual passei em Angola. Se fores ao Google e pesquisares no mapa de Angola verás, na fronteira leste, a meio, uma linha azul que atravessa a fronteira a norte, vinda da Rep. Dem. do Congo e que sai para a Zâmbia, antiga Rodésia do Norte, atravessando a linha de fronteira a sul, a tal muito direitinha, traçada a régua e esquadro pelo Gago Coutinho.Essa linha é o rio Zambeze cujo percurso é muito curioso porque nasce no Congo e dirige-se para oeste como se fosse desaguar no Oceano Atlântico. Depois,como se mudasse de planos,descreve uma grande curva, sai de Angola e aí vai ele direito à outra costa desaguar no Oceano Índico, em Moçambique, na cidade da Beira… caprichos da natureza.

Pois bem, foi exactamente à beira do rio Zambeze,poucos quilómetros antes dele entrar na então Rodésia do Norte, numa povoação chamada Lumbala, que eu estive durante 15 meses, os mais felizes da minha vida. De Dezembro de 1963 a Março de 1965.Depois,logo a seguir à minha saída, no dia seguinte, ,foi o começo da guerra … o inferno. Para mim, tinham-me reservado o céu. Tal como existem caprichos da natureza, também existem caprichos da vida… e a história podia ter sido outra…mas não foi…e portanto, continuemos nesta.

Com cerca de 30 homens a comer duas vezes por dia, variar na alimentação era o grande desafio. Pescávamos no rio e caçávamos nas intermináveis planícies, nas quais encontrar animais era apenas uma questão de mais quilómetro menos quilómetro naquela vastidão.

Numa dessas viagens, após horas de procura infrutífera, parei o jeep, desliguei o motor, pus-me em pé em cima do capôt e rodando lentamente 360 graus procurei vislumbrar no horizonte vultos de animal. Ninguém falava, apenas o ruído característico do vento que abanava ligeiramente o capim que não era muito alto e as folhas das árvores que eram de pequeno porte e esparsas. Então… senti um medo que se apossou de mim, pânico, terror,que se localizou na base do cérebro e que me paralisava. Tinha perdido de vista os meus companheiros de grupo, estava só, indefeso, à mercê dos predadores. Recuperei a realidade sem ter tido, verdadeiramente, a noção do tempo decorrido. Saltei rapidamente para o chão, sentei-me ao volante, pus o jeep a trabalhar e durante algum tempo ouvi deliciado o barulho do motor, como se de uma qualquer valsa de Straus se tratasse. De caçador tinha passado a caçado, mas estava de volta, o pesadelo terminara. Na terra dos nossos antepassados tinha-me sido dada a possibilidade de reviver, por influência, certamente, do meio físico envolvente, o grande drama das suas vidas: sobreviverem aos predadores. Durante muitos anos guardei só para mim esta experiência, porque estranha e intimista. Tinha então 25 anos e desconhecia quase tudo respeitante à história dos nossos antepassados, conhecimentos esses, de resto, inexistentes à data.

Hoje, face aos achados arqueológicos e aos estudos desenvolvidos nesta área, muito já se sabe e mais se haverá de saber,mas se queres que te diga, o sentimento que de então me domina é, por um lado, de admiração, por outro de gratidão. A vitória deles foi a razão da minha existência e se é verdade que alguém afirmou que nós descendemos de um macaco que teve muita sorte, isso só significa que ontem, tal como hoje, sem um bocadinho de sorte não se vencem os grandes desafios.

Xau. Boa noite.

Tio Quim
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  • Este aqui és tu de novo. Só que já em pleno transe, dominando os fantasmas e os demónios dos trópicos. E como já leste meio mundo sobre a antropologia e a socio-cultura do Continente isso hoje, para ti, não passa (já) de um amontoado de memórias, de curiosidades etnográficas e de factos coleccionados pela tua mente: a mesma que noutros tempos viam perigos onde hoje estão as racionalizações. Dois tempos, duas memórias - o mesmo homem. O tempo - esse - é eterno. Tão eterno que jamais temos relógio para o medir, nem ponteiros para o sinalizar.

Meu bom Tio,


África para mim - só no BBC Vida Selvagem... Gosto muito de ver os leões e as leoas em cópula permanente, após umas caçadas e umas brincadeiras com as crias. Brincadeiras de treino que servem para apurar quem é o "director de serviços" da savana e afinar os sistemas da morte. É que a morte de uns implica à sobrevivência de outros. Gosto muito de ver o Pôr-de-sol desse Continente esquecido. (De)sútil porque o Continente perdeu valor geopolítico e importância geoestratégica. A elite dirigente é quase toda corrupta e não merece o ar que respira. Gosto de ouvir alguma música autóctone. Gosto muito também do coração da Mulher africana, especialmente as mais desenvoltas que vêm estudar para as ex-metrópoles e depois regressam ministras, todas polidas e com o cabelo esticado e a pele branca cinza, como o pedófilo do Michael Jackson. Gosto de ver a velocidade das chitas em trânsito acelerado atrás do almoço, e das rectas curvilíneas que têm de fazer para garantir o sustento. O seu e o das crias, que estão sempre em perigo. Enfim, são autênticos formulas 1 da savana.. Ou seja, velocidade não significa segurança. Gosto de ouvir os barulhos daquela animalada toda a rugir. Gosto também muito de carne búfalo e de javali. Gosto também muito de passarinhos fritos e também de ver aquelas discussões na Assembleia da República que se fazem em Lisboa, ex-Capital do império que já não há. Por vezes, - não sei bem porquê - mas quando me ligo no hemiciclo julgo que estou vendo um documentário de vida selvagem. E não é porque os deputados se agridam uns aos outros, como na selva. Não!! Mas talvez porque a subida dos impostos e o padrão de vida hoje oferecido aos portugueses é bem mais perigoso do que uma regressão a África, daquelas que o meu ali descreve (milhões de anos depois) - reportando-nos todos para a idade da pedra lascada... Eis como os portugueses estão hoje: lascados, por causa da pedra - dos impostos, - e do resto que agora não conto...


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  • Nota Bene - sempre me interroguei qual seria a implicação genética resultante do cruzamento da Girafa com a Avestruz... Temo bem que dessa relação já tenha havido crias. Crias que cresceram e andam por aí a dizer a Portugal e aos portugueses que além de serem uns bastardos são todos uns filhos da .... Afinal, já sabemos de quem o sujeito é filho.. Será que ele sabe??!!